Tabu mal amanhado

Passos Coelho e Vítor Gaspar não gostam de ser confrontados com a questão que anda na boca de toda a gente: face à derrapagem da execução orçamental, vai ou não haver mais medidas de austeridade?

Na Assembleia da República, ambos tentaram fugir à questão – primeiro durante o debate da moção de censura apresentada pelo PCP e depois na comissão parlamentar de Orçamento e Finanças – remetendo o assunto para o campo da especulação política. Mas o jogo de palavras em que quer um, quer outro se refugiam é tão (deliberadamente?) pouco subtil que deixa a descoberto este tabu mal amanhado.

Diz Gaspar que o Governo não está «neste momento a contemplar medidas adicionais de austeridade», acrescentando logo de seguida que a «formulação do programa de ajustamento, desde o primeiro momento, contempla o compromisso do Governo tomar medidas adicionais para garantir cumprimento dos limites [do défice orçamental] fixados no programa» acordado com a troika. E vai lembrando, ladino, que «isto está na versão do Programa de Maio, que foi negociada e assinada pelo Governo do Partido Socialista».

Diz Passos que «na medida em que consigamos atingir as metas traçadas» o Governo não vê necessidade de «penalizar mais os portugueses». E ainda dá o ar da sua graça acrescentando que «de cada vez que quiserem fazer uma primeira página a dizer que o Governo não descarta a hipótese de adotar novas medidas basta fazerem a mesma pergunta, todos os dias, todas as semanas, todos os meses».

Os sublinhados são nossos. O pretenso tabu é de quem está apostado «custe o que custar» a levar o País para o abismo.

 

Passos no Facebook 


Um dia depois da moção de censura – por ventura com receio de os comunistas terem feito passar a sua mensagem e de ter ficado claro que o Governo se prepara para aplicar mais medidas contra os salários, ou contra os direitos, ou contra os serviços sociais – Passos Coelho foi para o Facebook repetir, sem contraditório, o que dissera no Parlamento. Que «estamos hoje bem mais próximo de ultrapassar esta crise e bem mais próximo de ter um País com oportunidades para todos», escreve, sem se esquecer logo de seguida de verter umas lágrimas de crocodilo pelos desempregados, prometendo «apoio aos que hoje se encontram nesta difícil situação, quer na procura de soluções para que todos possam rapidamente encontrar a sua realização profissional».

Só para que conste, isto foi a pouco mais de um mês de entrarem em vigor as alterações ao Código do Trabalho e na semana em que se soube que o número de trabalhadores atingidos por processos de despedimento colectivo entre Janeiro e Abril registou um aumento de 70,7 por cento face ao mesmo período de 2011. É o que se chama dar um passo em frente.

 

(Falta de) Imaginação


Entretanto, o chamado líder do maior partido da oposição, José Seguro, que esteve mudo na AR enquanto se debateu a moção de censura do PCP, abriu a boca à saída do hemiciclo para dizer aos jornalistas que não consegue «imaginar mais medidas de austeridade». Trata-se sem dúvida de um problema de falta de imaginação, a mesma que ata a acção do PS. É que perante o descalabro nacional ao PS não ocorre mais nada do que exigir ao Governo explicações sobre «como foi possível chegar a esta situação». Talvez seja preciso fazer-lhe um desenho...



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