Duas «fibras»

Henrique Custódio

Ca­vaco Silva e Passos Co­elho exi­biram esta se­mana a fibra de que são feitos.

Ca­vaco, do alto da sua Pre­si­dência, de­cretou que «nós não po­demos de­sa­pro­veitar este [o mar], que é um dos mais im­por­tantes re­cursos na­tu­rais que nós temos», acres­cen­tando que «eu con­si­dero que a ex­plo­ração do mar deve ser um ver­da­deiro ob­jec­tivo es­tra­té­gico na­ci­onal».

Só é pena que, quando foi pri­meiro-mi­nistro de Por­tugal, con­si­de­rasse exac­ta­mente o con­trário e pro­mo­vesse a des­truição da nossa frota pes­queira através de cho­rudas «com­pen­sa­ções» dadas aos ar­ma­dores pela UE, que, na­tu­ral­mente, pre­tendia con­trolar as nossas águas ter­ri­to­riais – as se­gundas mais vastas do pla­neta – e, de ca­minho, li­quidar a nossa com­pe­ti­ti­vi­dade pes­queira. Tudo isto Ca­vaco aplaudiu então, de­cla­rando Por­tugal um «bom aluno» dos di­tames de Bru­xelas e ga­bando-se de es­tarmos «no pe­lotão da frente» nessa apren­di­zagem de sub­missão.

Agora, que tudo está con­su­mado e a nossa in­de­pen­dência eco­nó­mica ma­ni­e­tada pela UE, Ca­vaco de­bita que a ex­plo­ração do mar deve ser o nosso «ob­jec­tivo es­tra­té­gico». Não ad­mira que o homem se gabe de ser não sei quantas vezes «mais sério» do que o comum dos mor­tais....

Quanto a Passos Co­elho, em menos de um ano pintou um tríp­tico sobre si pró­prio.

É claro que a alusão ao tríp­tico é pura re­tó­rica. Ob­vi­a­mente, nin­guém po­derá acusar o homem de pos­suir uma gota que seja da arte de Nuno Gon­çalves. Aqui, em facto, não há génio que se lhe aponte.

Mas o tríp­tico aí está, nas três partes que o de­finem, a úl­tima das quais foi há dias pro­du­zida, quando Passos clas­si­ficou o de­sem­prego como uma «opor­tu­ni­dade» para «mudar de vida».

A res­posta a esta bar­ba­ri­dade deu-a um de­sem­pre­gado à te­le­visão, afir­mando, de voz em­bar­gada, que «o se­nhor pri­meiro-mi­nistro não deve ter nin­guém de­sem­pre­gado» na fa­mília ou nos amigos, para dizer uma coisa tão cho­cante, per­gun­tando ainda: «Mudar de vida para onde, com tanto de­sem­prego?».

Re­cu­ando um pouco no tempo, temos os res­tantes «pai­néis».

O se­gundo, re­co­men­dando aos de­sem­pre­gados – so­bre­tudo jo­vens – que «emi­grassem».

O ter­ceiro, in­vec­ti­vando os mesmos de­sem­pre­gados – a quem iden­ti­ficou, salvo erro, pelos que «fazem queixas» –, cha­mando-lhes «pi­egas».

Acon­se­lhar os de­sem­pre­gados a «emi­grar» para so­bre­viver é coisa que ocor­rerá, quiçá, nas as­so­ci­a­ções ca­ri­ta­tivas que por aí andam a acon­se­lhar re­sig­nação e fé em Deus a troco de uma malga de sopa, mas nunca a um pri­meiro-mi­nistro em fun­ções. Fazê-lo, é negar as mais fundas con­fi­anças que devem cir­cular entre o Es­tado e os ci­da­dãos, é vi­li­pen­diar o País e ul­trajar o pró­prio cargo. De pri­meiro-mi­nistro.

Quanto a chamar «pi­egas» aos que pro­testam e re­clamam, dá o traço final e com­pleta o tríp­tico.

Nele se en­lan­guesce, em corpo in­teiro, um «me­nino-bem» que cir­culou pela vida sem pri­va­ções nem di­fi­cul­dades, de­certo am­pa­rado pelos su­aves mimos da edu­cação bur­guesa mas, sem dú­vida, pro­fun­da­mente des­li­gado e ig­no­rante das lutas, di­fi­cul­dades e so­fri­mentos no quo­ti­diano do povo que, por des­graça, con­tinua a go­vernar.



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