Comentário

Estabilidade para o capital retrocesso para o povo

Maurício Miguel

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Menos referido pela comunicação social dominante do que o chamado tratado orçamental – melhor seria designá-lo como tratado de agressão e retrocesso social – mas a ele intrinsecamente ligado, o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) está em processo de ratificação nos vários países da UE. De forma empenhada, a maioria que apoia o Governo, PSD e CDS/PP (com o voto do PS), apressou-se a aprovar um instrumento que, como veremos à frente, não contribui para solucionar nenhum dos problemas, alegadamente visados pelos seus criadores, nomeadamente a estabilidade da zona euro. O MEE, sendo um tratado da UE, tem a função de fundo – alguns já lhe chamaram o FMI europeu – de prestar «assistência financeira aos estados-membros da área do euro» sempre que possa estar em causa a estabilidade da moeda única. A «assistência» ficará sujeita a «rigorosa condicionalidade» imposta pelo FMI e a Comissão Europeia – a mesma receita que o nosso povo conhece bem pela via do pacto de agressão. O MEE assume um carácter complementar em relação ao chamado tratado orçamental, o qual todos os signatários do MEE ficarão obrigados a ratificar para receberem a «assistência financeira». A capacidade de financiamento inicial do MEE era de 500 mil milhões de euros, mas com o alastrar da especulação sobre as dívidas soberanas da Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Itália foi aumentado para 800 mil milhões de euros (apenas sobre a forma de garantias, o capital disponível será bem menor), aumento que poderá não ficar por aqui, especulando-se já sobre a necessidade de o reavaliar – possibilidade que o próprio tratado consagra. O FMI é parte importante neste tratado, devendo os países solicitar «assistência financeira» em paralelo ao MEE e ao FMI, tendo este último estatuto de credor privilegiado em relação ao MEE no caso de incumprimento por parte de um país. A mobilização do capital autorizado fica sujeita a uma maioria simples, sendo os direitos de voto de cada membro iguais ao número de partes de capital (participação de cada país no montante global) que esse membro tiver subscrito no capital autorizado, ou seja, 47,5 por cento para a Alemanha e a França conjuntamente e 2,5 por cento para Portugal. Os países membros do MEE assumem o compromisso «irrevogável e incondicional» de contribuírem para o capital autorizado e de realizarem o capital solicitado pelo Director Executivo no prazo de sete dias. O MEE prevê ainda a possibilidade de utilizar o dinheiro do fundo para «recapitalizar» as instituições financeiras dos países membros do MEE. O MEE, os seus bens, fundos e activos são legalmente imunes, e os seus arquivos e documentos invioláveis. Todos os governadores, administradores ou outro pessoal gozam de total imunidade relativamente aos actos por eles realizados, ou seja, todas as falcatruas serão possíveis e os seus responsáveis serão inimputáveis.

Embora o início do funcionamento do MEE só esteja prevista para 2013 – se todos os países da zona euro o ratificarem –, as interrogações entre «especialistas» são imensas. Muito têm dito e escrito sobre a forma e o conteúdo do MEE, sobre a sua capacidade de assegurar financiamento, no caso de países como a Itália ou Espanha serem forçados a recorrer ao fundo, ou sobre o risco de a Itália ou a Espanha terem que contribuir para se financiarem um ao outro. Ou sobre as implicações que ele terá em relação a países como Portugal, obrigado a comparticipar no financiamento de um desses países ou no próprio, tendo que mobilizar milhões de euros que já não tem. Todo esse debate apenas reforça o facto do MEE ser essencialmente um mecanismo que aumentará a especulação sobre as dívidas soberanas na zona euro e a especulação sobre o próprio euro. O MEE é um mecanismo perverso que alimenta e é alimentado pela especulação sobre as dívidas soberanas, transformando dívidas privadas em dívidas públicas, amarrando as dívidas soberanas na zona euro e tornando-as interdependentes. Um mecanismo que não identifica a origem das dívidas, assume-as como incondicionais, criando dependência em relação ao seu pagamento. Um mecanismo perverso que gerará lucros fabulosos para o sector financeiro, já que o Banco Central Europeu (BCE) continuará a emprestar apenas aos bancos com juros de um por cento, enquanto os bancos continuarão a emprestar aos estados entre seis a 12 por cento, ou mais



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