Trabalhadores ficam para último na recuperação de créditos por insolvência das empresas

Implacável marca de classe

No novo regime de insolvências as prioridades de recuperação de créditos continuam a ser dirigidas para o Estado e outros credores, ficando os trabalhadores para o fim da linha. Para o PCP, esta é uma «marca de classe» na proposta do Governo que diz bem das suas prioridades e opções.

Trabalhadores relegados para último plano

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Este foi um dos temas levantado sexta-feira passada pelo Secretário-geral do PCP no habitual debate quinzenal com o primeiro-ministro, orientado, desta feita, em pano de fundo, para as matérias relacionadas com a Justiça.

Deixando para outra ocasião questões em sua opinião «estruturantes» como «o acesso à Justiça» ou «a independência dos tribunais», Jerónimo de Sousa deu sobretudo relevância neste debate às insolvências e à questão dos privilégios creditórios para sublinhar a sua profunda discordância pelo facto de a proposta do Governo na âmbito do programa «Revitalizar», de recuperação de empresas, prever que, «primeiro, recebe a Segurança Social (o Estado), depois a banca, e «só em último lugar vêm os créditos dos trabalhadores».

Por outras palavras, «quem vende e dá a única coisa que tem - a sua força de trabalho - em caso de insolvência está sempre sujeito a receber pouco ou nada devido à opção e aos critérios do Governo», acusou Jerónimo de Sousa.

Passos Coelho, na resposta, desdobrou-se em explicações para tentar dizer, em síntese, que as alterações visam no fundo aliviar as empresas em maiores dificuldades por motivo de créditos de

que são devedoras e evitar os despedimentos. E adiantou que Jerónimo de Sousa estava a «confundir a situação actual com aquela que é proposta» agora pelo seu Governo, cuja é «exactamente noutros termos».

Pelo meio, referiu que quando «o programa especial de revitalização entrar em vigor por acordo entre os credores», desse acordo resultará a forma como os créditos «poderão vir a ser recuperados no tempo, de modo a garantir que nesse tempo a empresa possa ser aliviada sobretudo na sua tesouraria do seu capital disponível circulante para poder manter a empresa e evitar o despedimento dos trabalhadores com o encerramento da empresa».

Pedro Passos Coelho falou ainda da experiência acumulada neste domínio, nomeadamente do que chamou de «excesso de zelo» por parte do Estado (Finanças e Segurança Social) no processo de recuperação de créditos a que tem direito quando as empresas deixam de pagar as suas prestações, atitude que disse ter sido muitas vezes responsável pelo encerramento de empresas, assegurando que é esse quadro que pretende evitar no futuro.

O que não tocou foi na questão de fundo, ou seja na ordem que relega os trabalhadores para o último lugar da tabela quando está em causa a recuperação de créditos. E iludiu-a sob o argumento falacioso de que as prioridades, do ponto de vista creditório, no âmbito do processo de recuperação de empresas, são «aquelas que os próprios credores vierem a acordar».

Jerónimo de Sousa insistiu na sua posição e, pondo os pontos nos is, taxativo, leu o próprio texto do Governo onde este afirma a dado passo que «os credores que no decurso do processo financiem a actividade do devedor, disponibilizando capital para a sua revitalização, gozam de privilégio creditório mobiliário geral, graduado antes dos privilégios creditórios mobiliários em geral concedidos pelos trabalhadores».

Mais claro a repor a verdade não se podia ser.

 

«Oposição de garganta»

 

Jerónimo de Sousa, introduzindo outro tema no debate, admitiu ter pensado que nesse mesmo dia (sexta-feira passada) seria o «dia D», tendo em conta a «ameaça séria» que a UGT colocara ao primeiro-ministro.

E recordou, a propósito, o ultimato feito por aquela estrutura sindical ao Governo, com a indicação de sexta-feira como data limite para que este apresentasse medidas positivas no plano do emprego e do crescimento, sob pena, caso não o fizesse, de rompimento do acordo.

«Então este “dia D” acaba por ser um “dia N”, ou seja dia do nada? Não vai anunciar essas grandes medidas contidas no acordo de concertação social? Vai deixar essa central sindical apenas com aquilo que é hábito, no fundo uma oposição de garganta, tal como faz o PS muitas vezes?», inquiriu o líder do PCP.

Passos Coelho quis interpretar as palavras de Jerónimo de Sousa sobre os arrufos para inglês ver entre Governo e UGT como «um ataque» a esta última, motivado, alegou, por ter sido «subscritora do acordo tripartido» com vista a «promover a competitividade, o crescimento e o emprego».

O chefe do Executivo desdobrou-se depois em explicações para informar, em suma, que o compasso de espera é afinal uma coisa boa em favor da «boa execução do acordo», justificado pela necessidade de os parceiros indicarem «os temas e seus representantes mais directos para interagirem com o Governo na preparação e finalização das iniciativas previstas», tudo no «quadro de monitorização» do próprio acordo e sua execução.

Acordo este que, disse ainda, «é importante não apenas para a imagem externa do País mas também para que as reformas em Portugal se possam fazer em diálogo com os parceiros sociais».

Na réplica, o Secretário-geral do PCP instou o primeiro-ministro a não distorcer os factos, adiantando que apenas se limitara a constatar aquilo que é do domínio público, ou seja que a UGT tinha dado um prazo ao primeiro-ministro e ao Governo.

Ainda que, observou, essa conversa tenha acabado por «levar a mais um entendimento...»

Mas o que mais sobressai deste quadro, segundo Jerónimo de Sousa, é que as prometidas medidas são, afinal, ainda «para monitorizar, para ver em termos gerais». O que contrasta, salientou, com o comportamento do Governo quando se tratou de impor medidas violentas contra os trabalhadores, ao ponto de forçar a discussão da legislação laboral na AR até de madrugada.

Foi essa dualidade na acção governativa que o líder do PCP pôs a nu, criticando asperamente que haja «tanta pressa e tanta objectividade em relação àquilo que é concreto e penalizador para os trabalhadores» e, simultaneamente, tudo seja tão vagaroso e exija «longo tempo» quando se trata de medidas que o Governo e seus parceiros querem apresentar como «positivas». Um «longo tempo» que é, aliás, indispensável à farsa, porquanto, como observou Jerónimo de Sousa, tudo «não passa de declarações de intenção».

O que, tudo visto e somado, mostra a «vontade política do Governo» e revela que o seu verdadeiro propósito, de facto, «é mutilar direitos de quem trabalha», como aliás está bem expresso nas propostas de alteração ao código do trabalho, assinalou o Secretário-geral do PCP.


A treta dos «sacrifícios para todos»

 

A muito explorada linha de propaganda governamental de que os sacrifícios tocam a todos esbate-se e perde força, desmentida que é a cada passo pelos factos e pela vida. Os exemplos sucedem-se e o que eles nos mostram é exactamente a realidade contrária.

Disso é exemplo a GALP e os seus lucros milionários no primeiro trimestre deste ano, qualquer coisa como 50 milhões de euros, mais 16,5% do que no período homólogo anterior, obtidos «à custa das famílias e das empresas», como sublinhou Jerónimo de Sousa, que levou o caso ao debate pouco depois de chegar ao seu conhecimento.

«Venha lá o senhor primeiro-ministro com a equidade dos sacrifícios que nós depois logo lhe dizemos», desafiou o Secretário-geral do PCP, na sua intervenção final, sem obter resposta do primeiro-ministro, que, por má gestão, deixara esgotar o seu tempo.

Questão colocada por Jerónimo de Sousa foi ainda a relacionada com o direito do povo português a uma informação sobre o cumprimento dos compromissos assumidos na contratualização de contrapartidas decorrentes da aplicação da lei de programação militar.

«Porque é que o ministro da Economia não sabe ou não quer dizer que neste momento existem mais de dois mil milhões de euros que andam para aí a voar ou a submarinar?», questionou, frisando que este é um exemplo concreto de «falta de informação e do que são os dois pesos e duas medidas deste Governo».



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