O discurso da desigualdade
No seu discurso de abertura do 34.º congresso do PSD, Pedro Passos Coelho cometeu vários despautérios, que começaram nos lexicais e se afundaram nos pseudo-ideológicos.
Nos lexicais, e só como exemplo, informamos o sr. primeiro-ministro de que nem a boa dicção, que tanto cultiva, consegue transformar a sua afirmação «se não somos, portanto, um partido transformista para a sociedade» em algo inteligível. O que o sr. primeiro-ministro queria dizer era «transformador», «transformante» ou, vá lá, «transformativo». «Transformista» é que nunca, pois significa estudar a evolução geológica ou biológica das espécies ou, ainda, os actores que, em palco, envergam trajes sucessivos para dar vida às personagens (vulgo travestis).
Além de um professor de Português que lhe corrija as discursatas, Passos Coelho também necessita de mais alguma inteligência e cultura antes de se «transformar» (aqui sim, como «transformista») em ideólogo.
E o ideólogo surgiu a afirmar que «somos um partido que quer que cada um possa seguir dentro das suas possibilidades, dos seus sonhos, das suas ambições, um caminho de realização». Para rematar esta pérola, declarou que «não é o Estado que diz qual é a prosperidade ou a felicidade. Não é o Estado que diz como é que isso se faz. São as pessoas que devem escolher esse caminho»
De uma assentada, Mestre Passos propôs recuarmos directamente para o regime fascista. Era nesse tempo que a generalidade do povo tinha o solitário direito de concretizar «os seus sonhos, as suas ambições», exclusivamente «segundo as suas possibilidades». Por isso permaneceram na miséria quase generalizada durante mais de quatro décadas.
E está tudo dito, sobre as «novidades» trazidas por este novo «ideólogo».
Passos foi, contudo, o primeiro chefe do governo, desde a Revolução de Abril, a confessar os objectivos que todos os seus antecessores da «democracia constitucional» também sempre perseguiram e concretizaram, peça à peça (e cumprindo os ditames do grande patronato): a erradicação dos direitos sociais conquistados pelos trabalhadores e pelo povo após a Revolução de Abril de 1974, nomeadamente um Código do Trabalho a garantir os direitos dos trabalhadores, a instituição da Segurança Social, do Serviço Nacional de Saúde, do Ensino público e gratuito, do direito geral à Reforma.
É o desmantelamento desses direitos que os 18 governos constitucionais de PS e PSD têm prosseguido desde o primeiro, chefiado por Mário Soares, em 1976. Passos, depois de ser o primeiro a confessá-lo abertamente, ainda produziu mais uma peça teórica de fino recorte: «não é o Estado que diz qual é a prosperidade ou a felicidade, são as pessoas que devem escolher esse caminho».
Como? Sem emprego ou segurança nele, sem direitos laborais, sociais, de Ensino, Saúde e Reforma – coisas só possíveis e realizáveis com e pelo Estado?
Sr. Passos Coelho... e se fosse dar banho ao cão?