Jerónimo de Sousa no debate quinzenal adverte para a situação de um número crescente de portugueses

Empurrados para a pobreza

O «balanço positivo» a que chegaram o Governo e a troika no que respeita à evolução do País foi classificado por Jerónimo de Sousa como «estranho» e «surpreendente». É uma avaliação que «não encaixa na realidade do País», afirmou no debate quinzenal realizado na semana transacta.

Economia afunda-se a cada dia que passa

LUSA

Esta questão foi retomada pelo Secretário-geral do PCP a partir de uma leitura objectiva da situação económica e social, cuja evolução, anotou, caminha a «passos largos» em crescente plano inclinado, com a recessão a acentuar-se num nível «cada vez mais preocupante», com a economia a «afundar-se a cada dia que passa», com a queda do PIB prevista para 2012 a ir «já no dobro da anunciada aquando da assinatura do pacto», com o desemprego a atingir «números inaceitáveis, com a última estimativa fixada nos 14,8%».

O líder do PCP lembrou, por outro lado, dados oficiais (que não abarcam todo o ano de 2011) segundo os quais desapareceram cerca de 40 mil empresas, com o comércio tradicional a ser atingido de forma brutal, tal como a construção civil, a restauração e a indústria.

«Só na indústria transformadora entre o 3.º e o 4.º trimestres de 2011 desapareceram 33 mil empregos», especificou.

Jerónimo de Sousa não deixou, entretanto, de considerar surpreendente que no Congresso do PSD tenha sido apresentado como grande desígnio a reindustrialização do País. «Como é que isto se faz? É destruindo? É do caos que nascerão as soluções?», inquiriu, antes de lançar o repto ao chefe do Governo: «Explique lá essa contradição entre a realidade e aquilo que se afirma».

 

Fome alastra

 

Trazida para o debate foi também a redução dos apoios sociais – que em 2011 atingiu os 574 milhões de euros –, corte esse que na opinião do Secretário-geral do PCP «está a empurrar para a pobreza milhares de portugueses», uns que deixaram de fazer «tratamentos médicos», outros que «passam fome», outros ainda que «abandonam o ensino por falta de meios das famílias».

O primeiro-ministro, na resposta – descurando as pessoas para reduzir praticamente tudo às questões orçamentais –, repetiu o estafado slogan de que o Governo está «empenhado em garantir que as metas de consolidação são atingidas» e de que «não há crescimento em Portugal sem essa consolidação».

Sobre as medidas que vêm sendo tomadas no domínio social, e no que toca à chamada condição de recursos, afirmou que visam garantir que as restrições do ponto de vista das prestações sociais «não penalizam aqueles que mais precisam dessas prestações».

Mas a desfaçatez subiu de nível quando disse que as medidas adoptadas visam «proteger aqueles que têm menos recursos e que estão mais desamparados», dando como exemplo o que chamou de «actualização» das taxas moderadoras e, noutro plano, as alterações sobre o rendimento social de inserção.

Aludindo à afirmação de Passos Coelho de que o Governo está a resolver os problemas, Jerónimo de Sousa, na réplica, desafiou-o a deslocar-se a S. João da Madeira.

Fora lá que o Secretário-geral do PCP estivera, na véspera, em contacto com desempregados, com trabalhadores com salários em atraso. E foi de uma trabalhadora que ouviu estas palavras, que reproduziu no debate: «gostávamos era de ter aqui o primeiro-ministro, para lhe dizer umas coisas, para lhe dizer como é que é possível a quem vive com 450 euros por mês, com um filho a estudar, viver com o salário em atraso».

«Vá lá, à Califa, vá lá, àquelas empresas que estão com dificuldades em S. João da Madeira e talvez desperte para a realidade que continua a negar sistematicamente nestes debates», rematou Jerónimo de Sousa.


Voz indomável

O primeiro-ministro voltou a dar sinal de ficar quezilento quando se lhe fala das desgraças que a sua política provoca. Desta feita não gostou que o Secretário-geral do PCP trouxesse para primeiro plano do debate as crescentes dificuldades que as pessoas sentem no acesso aos cuidados de saúde e as consequências que daí resultam.

E o que disse exactamente Jerónimo de Sousa? «Aquilo que se está a fazer no plano da saúde, particularmente aos mais idosos, negando-lhes a possibilidade de uma consulta atempada ou exame, responsabiliza este Governo pela morte antecipada de muitos portugueses, particularmente idosos», foram as palavras do líder comunista. Uma acusação explícita ao Governo, a quem perguntou ainda «o que é que é preciso que aconteça para retroceder neste caminho para o abismo».

Na resposta, Pedro Passos Coelho, disse «repudiar inteiramente» o que acabara de ouvir – «é a «primeira vez que ouço uma afirmação desta natureza», adiantou –, e, em jeito de ameaça, antecipou um «desde já o meu repúdio» caso a afirmação venha a repetir-se.

A réplica não se fez esperar, com Jerónimo de Sousa a garantir ao chefe do Governo que o PCP «nunca se calará» perante os ataques aos «mais desprotegidos, aos que não têm voz, aos que estão isolados, àqueles que estão condenados muito deles a morrer sozinhos, àqueles a quem as injustiças desta política provoca».

E, olhos nos olhos, afiançou: «Fique sabendo que diremos as vezes que forem necessárias, não calaremos essas injustiças e a razão que assiste a essas pessoas».


Caso Lusoponte
Interesse público negligenciado

A avivar o debate quinzenal esteve também o caso Lusoponte relacionado com o duplo pagamento de que esta beneficiou em 2011, embolsando quer as portagens do mês de Agosto na Ponte 25 de Abril quer a compensação financeira do Estado.

A reter fica desde logo a ignorância absoluta revelada pelo primeiro-ministro quando, depois de questionado num primeiro momento pelo deputado do BE Francisco Louçã, avança com explicações atabalhoadas e contraditórias, no que, aliás, viria a ser secundado, mais tarde, pelo secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, Sérgio Monteiro, que veio dar esclarecimentos posteriores de igual forma nada convincentes (primeiro nega a situação e depois avança com uma explicação que é um desmentido de si próprio). Mas a principal nota que emerge deste episódio de dupla receita que fez entrar nos cofres de Lusponte mais 4,4 milhões de euros é uma vez mais a forma ágil como o interesse público é negligenciado e subjugado aos interesses privados.

Jerónimo de Sousa repegou no tema para fazer notar que a Estradas de Portugal (EA) ao reter aquele montante procedeu bem e que quem não terá andado bem foi o secretário de Estado que proferiu um despacho para que a EA pagasse à Lusoponte aquela «fatia indevida».

E por isso o dirigente comunista não aceitou como boa a explicação do primeiro-ministro, vendo nela uma tentativa de fugir com o rabo à seringa. Questionou mesmo sobre a «quem quer» ele «convencer», para logo a seguir rematar: «fica-lhe mal as asas de inocente, essa desresponsabilização».

 

Dois pesos...

 

O Secretário-geral do PCP, indo ao fundo da questão, mostrou ainda como a atitude do Governo muda de forma radical em função do tipo de interesses em presença. «Quando se tratou de ir buscar 10, 20, 100 euros aos pobres, aos desempregados, aos reformados, tendo em conta pagamentos indevidos da Segurança Social, foi rapidamente e em força a ordem de execução; para estes [a Lusoponte], é devagar, devagarinho, porque o senhor primeiro-ministro precisa de informação».

Na réplica, Pedro Passos Coelho voltou a meter os pés pelas mãos dizendo, primeiro, que «não há um duplo pagamento à Lusoponte», para logo a seguir informar que está em curso a alteração ao acordo de compensação financeira com aquela empresa de «modo a que o Estado possa ser ressarcido das somas que forem devidas».

Palavras que voltaram a não tranquilizar Jerónimo de Sousa, que observou ter o chefe do Governo sido pouco convincente». Porque a verdade é esta, rematou: «A Lusoponte tem lá os dois meses e o resto é conversa; depois logo veremos se pagam ou não».

Para ontem, registe-se, estava entretanto agendada a requerimento do PCP (formalizado a de 2 de Março) a presença do secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações na comissão parlamentar de Economia para prestar esclarecimentos sobre estes pagamentos indevidos à Lusoponte.



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