Cuidados de saúde em risco
Os hospitais públicos estão a sofrer um corte naquilo que é essencial ao seu funcionamento regular, o que põe em causa a qualidade dos cuidados de saúde prestados e a capacidade de resposta às necessidades dos utentes.
Pessoas não estão a ter os cuidados de saúde que precisam
Esta foi uma ideia-chave apurada sexta-feira passada no debate parlamentar de actualidade suscitado pelo PCP sobre a situação dos hospitais.
Uma situação que, em linha com a progressiva desorçamentação de que têm sido alvo, e por força de constrangimentos agravados pelo pacto de agressão (impõe cortes cegos que em 2011 e 2012 representam já 18 por cento), está a levar a que «as pessoas não tenham os cuidados de saúde que precisam», como sublinhou no debate o líder parlamentar do PCP, Bernardino Soares.
Tudo indica, porém, que as dificuldades extremas já hoje sentidas – e que são afinal um retrato da natureza de classe desta política – podem não ficar por aqui, havendo o sério risco de evoluírem para uma situação de ruptura na prestação de cuidados de saúde.
Efeito desastroso
Foi a denúncia deste quadro dramático que o PCP levou ao plenário da AR, pondo designadamente o acento tónico no facto de a chamada «lei dos compromissos» ter vindo agravar consideravelmente os problemas actuais.
Uma questão à qual o secretário de Estado da Saúde procurou furtar-se, limitando-se, sem aludir às suas consequências, a confirmar, por um lado, que «as dívidas anteriores não contam para esta contagem», e, por outro lado, que os hospitais só podem mesmo adquirir o que estão em condições de pagar.
Apesar de instado a pronunciar-se, nada adiantou sobre o «efeito desastroso» que aquela lei tem na gestão dos hospitais e nas unidades de saúde do SNS. Bernardino Soares, a este respeito, considerou mesmo que o Governo, a manter este tipo de regras, vai «impedir o funcionamento e a resposta (em muitos aspectos fundamentais) de unidades de saúde na sua actividade diária».
«Sabemos que há constrangimentos no acesso às urgências, que há gente acumulada em macas, que há medicamentos que não estão a ser disponibilizados como anteriormente, que há tratamentos que são evitados, que há exames que são cortados e adiados», sumariou o líder parlamentar do PCP, reforçando o extenso rol de carências e problemas identificados na abertura do debate pela deputada comunista Paula Santos.
Esta, entre muitos outros exemplos, recordara a falta de material clínico (luvas, seringas, adesivos, compressas, etc.) e de outras peças básicas como lençóis e cobertores, os elevados tempos de espera nas urgências, a redução do número de trabalhadores e a retirada de direitos, o aumento das listas de espera para consultas, exames e cirurgias.
Quadro de forte carência que assume ainda a forma de supressão ou racionalização de medicamentos como no Centro Hospitalar de Coimbra, no Hospital do Barlavento Algarvio ou no de Braga, a suspensão de mamografias e de ecografias mamárias como no Hospital de Faro, a retirada da ceia aos auxiliares, enfermeiros e médicos como no Hospital do Barreiro/Montijo, explicitou Paula Santos.
Cortar na Saúde
O líder parlamentar do PCP adiantou, ainda, que «não vale a pena vir com a ideia de que não há dinheiro e, portanto, que tem de ser assim».
«Onde é que os senhores pensaram no problema das contas públicas quando entregaram o dinheiro ao BPN? Quando entregaram dinheiro à Banca? Onde é que pensaram nisso?», inquiriu, rematando: «não pensaram».
E não o fizeram, do seu ponto de vista, por uma razão simples: «É que só há problema nas contas públicas quando é para cortar na Saúde e noutras áreas essenciais».
Para o Governo, «a saúde das pessoas é menos importante do que a saúde financeira daqueles que compraram o BPN por tuta e meia», acusou Bernardino Soares, que falou ainda, a propósito da alegada falta de dinheiro, dos 320 milhões de euros envolvidos nas parcerias público-privadas na área da Saúde, aos quais há que juntar os cerca de 620 milhões estimados em pagamentos da ADSE aos grandes hospitais privados.
«Aí está o dinheiro que falta depois aos hospitais públicos», explicou, e que é canalizado para unidades em regime de parceria público-privada de discutível qualidade, como o «hospital de Loures com a urgência a funcionar com uma médica e quatro internos» ou, exemplificou ainda, «o Hospital de Braga que não tem médicos suficientes na urgência, nem macas para acolher os doentes».
«Unidades do sector privado a extorquir dinheiro do Estado, prestando um mínimo de cuidados aos utentes, e sobre isto o Governo não tem nenhuma preocupação», acusou o líder parlamentar do PCP, repudiando a ideia de «pacote mínimo de cuidados, como dizia o programa do PSD, ainda por cima só para alguns – aqueles que tiverem dinheiro para ir comprá-lo ao sector privado».
Faz de conta
Respondendo à deputada do CDS Teresa Caeiro, que acusara o PCP de «tom alarmista», Bernardino Soares refutou essa leitura, afirmando que a sua bancada, isso sim, está «alarmada» com a situação. Considerou mesmo que quem não estiver hoje preocupado com o quadro que os portugueses vivem no acesso à saúde «ou está de má fé ou então, pelo menos, anda muito distraído».
Para Bernardino Soares «não vale a pena dizer que está tudo a correr bem e que as pessoas estão a ser atendidas como merecem e como têm direito». «Isso não é verdade», afirmou, categórico, antes de concluir, dirigindo-se para os quadrantes à direita do hemiciclo, que «todos sabemos que não é verdade», e que «não vale a pena fazer de conta que esta situação não está a ocorrer».
Uma política letal
Sem resposta no debate não passou também a alusão do truculento secretário de Estado da Saúde a uma referência feita na antevéspera pelo Secretário-geral do PCP quanto à correlação entre o recente aumento do número de mortes e as condições socioeconómicas que resultam da política deste Governo. Disse o membro do Governo que Jerónimo de Sousa aludira ao «pico gripal», querendo com isso desmenti-lo. Falso, ripostou Bernardino Soares, que o aconselhou a não se cingir às notícias dos jornais. Essa fora, aliás, a crítica que aquele membro do Governo fizera à bancada do PS.
«Para a próxima, quando quiser referir-se à intervenção do meu camarada Jerónimo de Sousa não leia só as notícias – coisa que criticou a outros – veja de facto o debate», afirmou o presidente da bancada comunista, esclarecendo que «não houve nenhuma referência ao pico da gripe».
Bernardino Soares considerou ainda estranho que o «Governo não tenha procurado nem intervir nem dar uma explicação para essa situação», acusando-o de «deixar andar» no pico da gripe.
E repetiu o que o Secretário-geral do PCP frisou: «quando há medidas que impedem as pessoas de ter acesso aos cuidados de saúde, isso significa que a sua saúde e a sua vida está a ser posta em perigo».
«Quando há medidas que impedem os doentes crónicos de ter acesso à sua medicação porque não têm dinheiro para a pagar e depois ficam descompensados e precisam de ser tratados por episódios agudos, isso significa tirar saúde e tirar vida a essas pessoas», sublinhou, antes de deixar uma última farpa directa, dirigindo-se às bancadas do PSD e do CDS-PP: «os senhores podem não gostar de ouvir isto, mas esta é a realidade concreta».