Um escândalo e Governo nada faz
O PCP classificou de «catastrófico» o grau de execução das contrapartidas assumidas no quadro da Lei de Programação Militar e exigiu que o Governo disponibilize à AR informação sobre o quadro actual e as diligências em curso para garantir o seu cumprimento.
Balanço das contrapartidas é desolador
«Não é suportável que o nosso País esteja a ser lesado em mais de 2200 milhões de euros e que o Governo manifeste perante este escândalo a mais absoluta indiferença», sublinhou no Parlamento o deputado comunista António Filipe, entendendo que o Executivo deve explicações ao País sobre o que «está a fazer, e o que tenciona fazer, para recuperar as contrapartidas que nos foram prometidas e para accionar os incumpridores».
Para o deputado do PCP, que levou este assunto à sessão plenária de dia 8 numa declaração política em nome da sua bancada, os portugueses não podem deixar de «tirar ilações acerca dos governos e dos governantes que, por acção e por omissão, conduziram a esta situação inconcebível».
Estado lesado
Esta é, com efeito, «uma factura muito pesada» que está a ser paga pelo nosso povo, a um ponto tal que, no actual quadro de crise financeira, «todas as verbas disponíveis da Lei de Programação Militar» estão a ser gastas no cumprimentos dos compromissos financeiros assumidos.
Disse-o António Filipe, chamando a atenção, nomeadamente, para o facto de passados quase dez anos sobre a Lei, três governos e três comissões de contrapartidas, a diferença entre as contrapartidas prometidas e contratualizadas e as contrapartidas efectivamente realizadas ser «francamente desoladora».
Mais exactamente, de contrapartidas no valor de 3021 milhões de euros, explicitou, foram cumpridos contratos no valor de 799 milhões de euros (ver caixa), o que corresponde a 26,4% do contratado.
«As empresas que nos venderam centenas de milhões de euros de equipamentos militares, que os portugueses estão a pagar com os sacrifícios que sabemos, lesaram o Estado português em mais de 2200 milhões de euros de promessas contratualmente assumidas que não cumpriram», sintetizou o parlamentar comunista, que observou ainda ter o Estado celebrado contratos «que não salvaguardam minimamente a sua posição» e em relação aos quais tem revelado uma enorme incapacidade em fazer cumprir.
Ministros distraídos
Alvo da crítica severa de António Filipe foi ainda o actual Governo pela «forma radical» como extinguiu a Comissão de Contrapartidas, passando a sua gestão para a alçada do ministério da Economia, cujo titular da pasta, quando inquirido sobre o assunto, revelou «nem sequer saber do que se trata».
Quanto ao ministro Paulo Portas, responsável pela maior parte destes contratos, esse, como observou António Filipe, «passeia a diplomacia económica pelo mundo em voos tão altos que já nem consegue ver os problemas de quem vive cá em baixo».
Intervindo ambos no debate, pelo lado das bancadas do PS e do PSD, assistiu-se ao habitual passa culpas, com o deputado Fernando Serrasqueiro (PS) a criticar o actual Executivo por extinguir a Comissão de Contrapartidas, sem que tenha havido uma lei orgânica para enquadrar a respectiva transferência para o Ministério da Economia, criando assim uma «situação de impasse», e a deputada Carina Oliveira (PSD) a endossar as críticas ao anterior governo pelas «baixas taxas de execução nos contratos».
Minimizando a gravidade da situação, o deputado Hélder Amaral, por sua vez, disse que o período dos contratos «ainda não terminou», que «há que esperar», que «afinal isto não é tão mau» e que «não há compras do partido A, B ou C, há compras do Estado».
Recorde-se que a Lei de Programação Militar remonta a 2003, aprovada sob proposta do ministro Paulo Portas, nela tendo sido inscrito um investimento de 5340 milhões de euros em equipamentos militares (uns, segundo António Filipe, de «inestimável utilidade», como os helicópteros de busca e salvamento ou os navios patrulha; outros, de «prioridade contestável», como os submarinos ou os blindados do exército; outros ainda, de «manifesta inutilidade», como os caça F-16 que «nunca saíram dos caixotes»).
Inércia acaba cúmplice do crime
Uma vergonha
A passividade dos vários governos, incluindo o actual, perante o incumprimento das contrapartidas acordadas com o Estado português assume contornos inimagináveis e constitui uma verdadeira afronta, sobretudo num quadro como o actual em que sacrifícios incontáveis estão a ser exigidos aos portugueses. Multinacionais norte-americanos e europeias venderam-nos aviões, submarinos, helicóptero, viaturas blindadas e outros equipamentos, comprometendo-se com acções (as contrapartidas, num montante não inferior ao montante da aquisição) das quais resultaria um benefício claro para a economia nacional.
O balanço é terrível e constitui, em si mesmo, um libelo acusatório à acção dos governos. António Filipe mostrou-o, trazendo à Câmara informação contida no próprio relatório elaborado pela extinta Comissão Permanente de Contrapartidas, relativo a 2010, onde fica patente essa completa inacção.
• Helicópteros EH-101: Contrapartidas aprovadas em Março de 2005 no montante de 403 milhões de euros. Incluía 34 projectos. 20 nunca arrancaram. Até ao final de 2010 estavam cumpridas 29,8 %, no montante de 100, 5 milhões de euros.
• Submarinos: Contrapartidas no valor de 1210 milhões de euros. Contrato assinado em Outubro de 2004 para um período de oito anos. Seis anos passados, 19 dos 39 projectos não tiveram qualquer movimento. O grau de cumprimento foi da ordem dos 31,55 %, ou seja, 381,92 milhões de euros.
Sobre este processo, António Filipe lembrou que ocorreram «graves diferendos na aplicação dos contratos, com crimes de burla qualificada e falsificação de documentos», o que levou à condenação de quadros da empresa alemã por crimes de corrupção cometidos neste processo, na Alemanha. O mesmo não se verificou em Portugal, observou, onde não houve «nem corruptos, nem contrapartidas».
• Viaturas blindadas de rodas: Contrato assinado em 2005 para um período de nove anos. Montante: 516 milhões de euros. Cumpridos 11,4 %, no montante de 58,8 milhões de euros. Segundo o deputado do PCP, o contrato com a empresa alemã Steyr, entretanto adquirida pela norte-americana General Dinamics, incluía o fabrico das viaturas em Portugal pela Fabrequipa, e a transferência de tecnologia que permitisse a esta empresa nacional fabricar idênticas viaturas para outros mercados. Nada se concretizou e o diferendo instalou-se entre o consórcio e a empresa nacional, cuja viabilidade futura está seriamente comprometida por esse incumprimento.
• Aquisição de torpedos: valor das contrapartidas, 46,5 milhões de euros pelo período de nove anos. Dos nove projectos apenas avançaram três. Os outros seis não avançaram nem têm perspectivas de avançar.
• Modernização dos F-16: Contrapartidas no valor de 174,9 milhões de euros, assumidas em Fevereiro de 2006. Foi o único contrato integralmente cumprido, com grande benefício para a OGMA, sublinhou António Filipe.
• Aviões C-295: Contrapartidas no valor de 460 milhões de euros. Contrato assinado em 2006 para um período de sete anos. O grau de cumprimento é de 0,9%, no montante de 4,12 milhões de euros.
• Modernização dos aviões P3 Orion: Assinado em Setembro de 007, no montante de 99,7 milhões de euros. Cumpridos 29,9% no montante de 29,8 milhões de euros.
• Aquisição de targeting pods para os F-16: Contrato assinado em Novembro de 2008, no valor de 32 milhões de euros. Cumprimento até hoje: Zero.