Defender a produção nacional
Mais de três mil agricultores manifestaram-se, sábado, no Porto, com o objectivo de denunciar certas práticas comerciais e especulativas utilizadas pela grande distribuição e comercialização, e apelaram aos órgãos de soberania a regulamentação e correcção, urgente, dessas actividades.
Defender a dignidade dos agricultores portugueses
Este protesto – que se iniciou frente à Delegação da Direcção Regional da Agricultura e Pescas do Norte e terminou junto ao Continente de Matosinhos – aconteceu depois de os supermercados Continente, do Grupo Sonae, terem lançado uma campanha de venda de diversos produtos agrícolas a preços abaixo dos custos de produção, designadamente o leite espanhol, a 0,13 euros, e a batata francesa, a 0,16 euros, numa iniciativa que, para além de ser manifestamente ilegal, contribui para a ruína da produção nacional.
«O Governo não pode lavar as mãos como Pilatos face aos esmagamento que a distribuição está a fazer à agricultura nacional, ao sector agro-alimentar e aos agricultores», referiu, no início da acção, em declarações à comunicação social, Carlos Neves, da Associação de Produtores de Leite de Portugal (APROLEP), uma das cinco responsáveis pela manifestação.
À APROLEP juntou-se a FENALAC (Federação Nacional das Cooperativas de Produtores de Leite), a CONFAGRI, a CNA (Confederação Nacional da Agricultura) e a APLC (Associação Nacional de Produtores de Leite e de Carne).
Os muitos «produtores de leite, de carne e de vinho, as cooperativas, as confederações, as associações, os agricultores de Norte a Sul do País, do Interior ao Litoral» vieram ao Porto «exigir que o Governo exerça o seu papel de moderador dos mercados», explicou o dirigente, informando que «o leite está a ser vendido ao público duas ou três vezes abaixo do preço de custo», não sendo este o único produto em causa, o leite foi apenas «a faísca».
«O que se pretende é uma regulação dos pagamentos, das marcas brancas, para que não haja subsidiação cruzada de preços», destacou Carlos Neves, sublinhando que «é preciso regulação» e «enterrar o machado de guerra que existe entre a distribuição e a agricultura, que depois é disfarçado por alguns acordos pontuais».
Já junto ao Continente de Matosinhos, depois de uma reunião com um representante da Sonae, que durou cerca de 10 minutos, Fernando Cardoso, da FENALAC, precisou que os agricultores não querem ser «inimigos da distribuição», antes «parceiros», para que haja «uma justa repartição» entre os «produtores, a indústria, a distribuição e os consumidores».
Sobre a concorrência dos produtos não nacionais, o dirigente lamentou a existência de uma «guerra brutal ao nível da distribuição». «As importações, a preços abaixo de custo, são muitas vezes uma arma de chantagem para a produção nacional», criticou, defendendo a criação urgente de um regime de regulação das marcas brancas que «devem obedecer a um regime legal muito mais apertado».
PCP exige quotas
A manifestação dos agricultores contou com a presença e solidariedade do PCP, que se fez representar por uma delegação constituída por João Frazão, da Comissão Política, Ilda Figueiredo, do Comité Central e deputada ao Parlamento Europeu, Honório Novo, deputado à Assembleia da República, e Gonçalo Oliveira, do Executivo da Direcção da Organização Regional do Porto.
Recorde-se que o PCP, para além de ter já questionado a Comissão Europeia sobre as medidas que tenciona tomar para defender a produção agrícola no nosso País, solicitou a presença da ministra da Agricultura na Assembleia da República para se pronunciar sobre o esmagamento dos preços à produção e o favorecimento dos interesses dos grandes grupos económicos.
«O que importa é o Governo saber intervir neste processo, no plano nacional e internacional, junto da comunidade europeia, no sentido de impedir as marcas brancas, de impedir a sua exploração por estas cadeias comerciais», defendeu, reclamando «quotas de leite para os produtores em Portugal» e regras de comercialização que «defendam a dignidade dos agricultores» portugueses.
2011: ano negro para agricultura
Os recentes dados do Instituto Nacional de Estatísticas não deixam margem para dúvidas: 2011 foi mais um ano negro para a agricultura nacional, com uma quebra no rendimento da actividade agrícola que deverá chegar aos 10,7 por cento e o desaparecimento de mais de 16 mil unidade de trabalho ano (UTAs) de mão-de-obra agrícola.
«Mas estes dados, mais do que nos indicar um mau ano agrícola por situações conjunturais, traduzem a continuação de más políticas agrícolas e o caminho do definhamento da agricultura nacional que levou ao desaparecimento, nestes últimos 20 anos, de 295 mil explorações [metade das que existiam em 1989) e de dez por cento da superfície agrícola útil, e ao actual défice agro-alimentar nacional», denuncia a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), considerando que «continua a haver uma profunda contradição entre o discurso dos diversos órgãos de soberania e a prática política, ou, por vezes, a inoperância política, em face da crise que se vive na agricultura nacional».
Para a CNA, importa por isso recordar algumas das dificuldades acrescidas que foram impostas à agricultura e aos agricultores, e o que se desenha para 2012.
Factores de produção
Em 2011 continuou a assistir-se ao aumento exponencial dos preços dos factores de produção para a agricultura, nomeadamente do gasóleo e electricidade (+14,3 por cento), rações (+13, 2 por cento), adubos (+18,9 por cento) e pesticidas (+1,6 por cento), para o que contribuiu o aumento da taxa máxima do IVA no início do ano, de 21 por cento para 23 por cento e, posteriormente, o agravamento da taxa na electricidade e no gás de seis para 23 por cento, tendo, como se tal não bastasse, sido eliminada a ajuda à «electricidade verde».
Dificuldades no acesso ao crédito bancário
No que respeita ao acesso ao crédito, em 2011 os agricultores viram a situação agravar-se significativamente, com cada vez mais restrições, custos processuais cada vez mais elevados e taxas de juro incomportáveis, inviabilizando a comparticipação própria nos projectos de investimento.
Redução no Orçamento do Ministério da Agricultura e Fundos Comunitários
Mais uma vez, o Orçamento para a agricultura registou um corte no Orçamento do Estado para 2011 de cerca de quatro por cento, acompanhando a tendência continuada para o definhamento das verbas para este sector e que desde 2005 já totalizam cerca de 600 milhões, uma redução de 100 milhões ao ano, e que, em termos percentuais, representa já uma redução acumulada de 25 por cento face às verbas disponíveis em 2005.
Escoamento e preços na produção
Apesar de em 2011 se ter continuado a assistir ao aumento dos preços dos alimentos nos mercados mundiais e por conseguinte nos consumidores, a produção nacional, de uma forma global, em nada beneficiou deste aumento, sendo que na produção vegetal há mesmo uma quebra de preços de 2,8 por cento. Ou seja, a volatilidade dos preços dos alimentos resulta da especulação das multinacionais do agro-negócio e não de factores concretos no terreno.
É necessário alterar as políticas agrícolas!
Mas se 2011 fica na lembrança pelas piores razões, as perspectivas para 2012 só apontam para o agravamento das dificuldades, de onde se destaca:
- Aplicação das correcções efectuadas ao parcelário agrícola com retroactividade, quebrando-se uma promessa do Ministério da Agricultura às organizações de agricultores. Tal poderá implicar uma redução generalizada das ajudas comunitárias ou até mesmo a devolução da totalidade das verbas para alguns agricultores;
- Redução da taxa de co-financiamento no PRODER e com ela um corte de 290 milhões de euros no investimento nacional na agricultura, o que implicará o encerramento definitivo da medida de apoio à modernização, ficando a agricultura nacional, provavelmente até ao início de 2016, durante quatro anos, sem qualquer medida de estímulo à sua modernização, à excepção da instalação de jovens agricultores;
- Aumento dos custos com a sanidade animal, uma vez que o Orçamento do Estado para 2012 eliminou totalmente as verbas do financiamento público às suas acções;
- O anunciado fim do actual sistema de seguros agrícolas, sem que esteja construída uma alternativa e em consequência do corte, previsto também no OE para 2012, no financiamento público ao chamado SIPAC. Isto numa altura em que cada vez mais os agricultores estão sujeitos aos prejuízos causados por questões climatéricas.