«Saúde» da economia e do emprego em causa

Precariedade sustenta «milagre» alemão

A Ale­manha é apon­tada como um exemplo ex­cep­ci­onal de cres­ci­mento eco­nó­mico e com­bate ao de­sem­prego no ac­tual con­texto de crise mun­dial. Na ver­dade, a sus­tentar o «mi­lagre» alemão está a velha re­ceita ca­pi­ta­lista de au­mento da ex­plo­ração sobre quem tra­balha.

25 por cento dos tra­ba­lha­dores ga­nharam em média 230 euros por mês

Os dados que têm feito pa­ran­gonas nas no­tí­cias in­dicam que, em 2011, foram cri­ados na Ale­manha 535 mil em­pregos face a 2010, fa­zendo cair a taxa ofi­cial para os 6,8 por cento, se­gundo a Agência Fe­deral de Em­prego, o mais baixo ín­dice desde a cha­mada reu­ni­fi­cação.
Em con­texto de crise ca­pi­ta­lista mun­dial, com par­ti­cu­lares con­sequên­cias ao nível do de­sem­prego no es­paço comum eu­ropeu, a es­ta­tís­tica tem sido apre­sen­tada como parte de um «mi­lagre», ou, mais pre­ci­sa­mente, uma fór­mula que, de forma ex­pli­cita ou ve­lada, se su­gere dever ser apli­cada nou­tros países que buscam so­lução para a si­tu­ação em que se en­con­tram.
Re­pu­tados es­pe­ci­a­listas (há sempre es­pe­ci­a­listas re­pu­tados que co­mentam estas ma­té­rias), como um in­ves­ti­gador do Ins­ti­tuto para a Eco­nomia Mun­dial ou um se­me­lhante de uma em­presa de aná­lise de mer­cado, ga­rantem que, apesar da crise, a Ale­manha con­tinua a afirmar-se como o motor eco­nó­mico da Eu­ropa de­vido à sua com­pe­ti­ti­vi­dade em ma­téria sa­la­rial e ca­pa­ci­dade de di­ver­si­fi­cação das ex­por­ta­ções, no­me­a­da­mente para a China (BBC Mundo, 3 de Ja­neiro).
Na ver­dade, esta ale­gada ca­pa­ci­dade de su­pe­ração/​gestão, por parte do sis­tema, das suas pró­prias con­tra­di­ções, é con­tes­tada. O con­tra­di­tório não é di­vul­gado com a mesma pu­jança, mas dá a per­ceber que da far­tura dos que ex­ploram já não caem, como em tempos, mi­ga­lhas para os ex­plo­rados.
De acordo com a eco­no­mista Julia Mar­tínez, a es­ta­tís­tica do em­prego mas­cara uma re­a­li­dade do tempo que vi­vemos. Num ar­tigo pu­bli­cado no Re­be­lion, a pro­fes­sora da Uni­ver­si­dade Centro-Ame­ri­cana de­nuncia que o que sus­tenta o cha­mado «mi­lagre» é a «ins­ti­tu­ci­o­na­li­zação e ge­ne­ra­li­zação da pre­ca­ri­e­dade», apre­sen­tada sob o eu­fe­mismo de fle­xi­bi­li­zação do mer­cado de em­prego.
O in­gre­di­ente prin­cipal da re­ceita, em 2011, foi o de­no­mi­nado micro-em­prego, isto é, a pro­li­fe­ração de con­tratos tem­po­rá­rios de um má­ximo de 80 horas por mês e sa­lá­rios até 400 euros, de­nuncia.


Au­mento da ex­plo­ração


O ano pas­sado, es­ti­veram nesta si­tu­ação 7,3 mi­lhões de tra­ba­lha­dores ale­mães, ou seja, 25 por cento da po­pu­lação ac­tiva, os quais ob­ti­veram, em média, 230 euros de ren­di­mento mensal.
Pelo preço de 120 euros por ca­beça a tí­tulo de con­tri­buição para a Se­gu­rança So­cial ou fundos de pen­sões, ex­plica ainda Mar­tínez no re­fe­rido texto, o pa­tro­nato ga­rante um brutal de­crés­cimo do preço da força de tra­balho e ge­ne­rosas isen­ções nos im­postos, pre­vistas neste re­gime de con­tra­tação.
Para o tra­ba­lhador fica a con­tri­buição vo­lun­tária da sua parte para a Se­gu­rança So­cial ou fundos de pen­sões, e uma so­bre­vi­vência mi­se­rável, a qual, na Ale­manha, é cada vez mais as­se­gu­rada pelas ajudas fa­mi­li­ares e pelas con­tri­bui­ções pú­blicas.
Para o Es­tado (o con­junto dos con­tri­buintes, na sua mai­oria tra­ba­lha­dores por conta de ou­trem), so­bram mi­lhares de tra­ba­lha­dores po­bres ca­rentes de au­xílio, apesar de se en­con­trarem em­pre­gados. Só em Berlim, um quinto da po­pu­lação de­pende do au­xílio es­tatal para sub­sistir.
Na prá­tica, são os fundos pú­blicos (através das pres­ta­ções so­ciais e dos be­ne­fí­cios fis­cais às em­presas) e o vi­o­lento au­mento da ex­plo­ração da mão-de-obra quem sus­tenta o «mi­lagre» alemão, con­clui-se.
Neste con­texto, acres­centa-se no ar­tigo ci­tado, não é de es­tra­nhar que in­di­ca­dores ofi­ciais e de ins­ti­tui­ções de no­meada, igual­mente re­fe­rentes ao ano pas­sado, afirmem que os ren­di­mentos dos mais ricos cres­ceram na Ale­manha oito vezes mais do que os ren­di­mentos dos mais po­bres (OCDE); que per­sista a de­si­gual­dade e a po­breza (As­so­ci­ação de As­sis­tência Pú­blica), e os mais atin­gidos pela pre­ca­ri­e­dade – mu­lheres e jo­vens – não en­con­trem no mini-tra­balho a de­se­jada in­te­gração plena em em­pregos com jor­nada com­pleta e sa­lário digno, mas pre­ci­sa­mente o in­verso (Mi­nis­tério dos As­suntos de Fa­mília, Ter­ceira Idade, Mu­lheres e Ju­ven­tude).


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