Britânicos recusam o empobrecimento
O Reino Unido viveu no dia 30 a maior greve desde 1926. Mais de dois milhões de trabalhadores não foram trabalhar e dezenas de milhares manifestaram-se nas ruas das principais cidades.
Mais de dois milhões paralisaram no Reino Unido
A greve contra a reforma do sistema de pensões foi convocada pela central sindical TUC, tendo sido precedida por um complexo e demorado processo de votação por correspondência, herdado dos tempos da sra. Thatcher, no qual a jornada de luta foi aprovada por 70 por cento dos associados de 29 sindicatos do sector público.
Entre as estruturas mais representativas estão o UNITE (hospitais e limpeza), UNISON (administrativos hospitalares, escolas e universidades e municípios), NUT e NASUTW (professores), UCU (docentes universitários) e PCS (funcionários da administração central).
Procurando minorar os efeitos da ampla adesão esperada, o governo conservador liberal apelou às empresas que autorizassem os trabalhadores a levar consigo os filhos para o emprego. No mesmo sentido, as autoridades reforçaram os serviços de controlo de documentos nas fronteiras com pessoal diplomático e policial formado intensivamente nos últimos dias, e as companhias aéreas reduziram preventivamente o número de voos e de passageiros.
Mas por toda a parte a greve teve fortes impactos: cerca de 70 por cento das escolas fecharam e as que abriram estiveram praticamente desertas. Os hospitais adiaram operações, exames e consultas de rotina, garantindo apenas os serviços mínimos; repartições públicas, bibliotecas e universidades estiveram encerradas. O lixo não foi recolhido. Milhares de piquetes concentraram-se à porta dos locais de trabalho assegurando-se de que o direito de greve era respeitado.
A meio do dia, milhares de manifestantes começaram a desfilar em dezenas de cidades do Reino Unido, registando-se as maiores acções em Londres (30 mil), Birmingham (10 mil), Leeds, Bristol, entre outras. Também na Irlanda do Norte, Escócia e País de Gales, os trabalhadores saíram à rua em protesto.
Se é certo que a reforma do sistema de pensões é a razão mais saliente da luta dos funcionários públicos, a dimensão e amplitude sem precedentes da greve de dia 30 são mais um sintoma do ambiente de descontentamento provocado por sucessivas medidas anti-sociais que têm atingido vastas camadas da população.
Esta indignação generalizada teve uma primeira expressão no protesto dos estudantes em 9 de Novembro de 2010, em Londres, que terminou com a invasão da sede do Partido Conservador. Já este ano, em 26 de Março, mais de 500 mil pessoas participaram na chamada «Marcha por uma Alternativa», no centro de Londres, condenando os cortes dos apoios sociais, e em 30 de Junho cerca de um milhão de funcionários públicos cumpriram uma greve de 24 horas em defesa das pensões de reforma.
Um ciclo infernal
O repúdio da maioria da população pelas políticas de austeridade pode ainda ser avaliado pelos resultados do inquérito realizado pela Comres para a BBC (28.11), segundo o qual 61 por cento dos inquiridos consideraram que a greve tem razões justas, e apenas 36 por cento manifestaram opinião contrária.
Além do mais, o aumento da idade da reforma dos 60 para os 67 anos até 2020 e a alteração da fórmula de cálculo (ou seja, aumento das contribuições e redução das prestações) não são as únicas preocupações dos funcionários britânicos.
Os salários estão congelados há quase dois anos e a inflação continua a subir tendo alcançado os 5,2 por cento em Setembro. Por isso, o anúncio de um mísero aumento de um por cento feito pelo ministro da Economia, George Osborne, dia 29, na tradicional apresentação das perspectivas económicas, caiu como um balde de água fria. Os sindicatos calculam uma desvalorização salarial acumulada de 16 por cento.
De resto, o discurso de Osborne na Câmara dos Comuns só trouxe más notícias. Em nome do «rigor», o ministro admitiu que o número de despedimentos no sector público poderá ascender a 700 mil até 2017, em vez dos 330 mil anteriormente considerados suficientes. Isto porque as medidas de rigor orçamental estão a ter os efeitos contrários aos prometidos pelo governo.
O crescimento deverá ficar este ano em 0,9 por cento (contra 1,7 por cento previstos em Março) e 0,7 por cento no próximo ano (contra 2,5%), enquanto a dívida pública deverá crescer 110 mil milhões de libras (128 mil milhões de euros). E as coisas podem piorar: «Se o resto da Europa se encaminha para uma recessão, poderá ser difícil evitá-la no Reino Unido», acrescentou Osborne.
A recessão da economia britânica é, aliás, o cenário previsto não só pela OCDE, mas também pelo Institute for Fiscal Studies, cujo director, Paul Johnson, declarou à BBC (El País, 29.11) que, «em 2016, a economia será 13 por cento mais pequena do que esperávamos há dois anos e três por cento menor do que pensávamos há seis meses». E uma das consequências disso, afirma o mesmo responsável, «são os cortes reais nos rendimentos reais dos cidadãos. Ou seja, as pessoas vão ser muito mais pobres. Os níveis de vida em 2015 não serão superiores aos de 2001».