Os dirigentes associativos em causa

A. Mello de Carvalho

Os «ca­rolas», ou seja, di­ri­gentes as­so­ci­a­tivos des­por­tivos vo­lun­tá­rios são, de facto, par­ceiros so­ciais em corpo in­teiro. Esse es­ta­tuto é muito pouco re­co­nhe­cido pela «so­ci­e­dade civil», mas ainda o é menos pelos or­ga­nismos pú­blicos. Esta si­tu­ação deve-se, na sua maior parte, à ati­tude dos úl­timos que não têm ca­pa­ci­dade para aceitar que o di­ri­gente vo­lun­tário é um «con­tes­ta­tário» por na­tu­reza. To­davia, o pró­prio Mo­vi­mento As­so­ci­a­tivo deve ser, também, res­pon­sa­bi­li­zado por esta si­tu­ação, na me­dida em que não tem con­se­guido afirmar-se como grupo so­cial ac­tivo dentro de uma so­ci­e­dade que vive a de­mo­cracia com vi­sível di­fi­cul­dade de­vido à sua his­tória re­cente. Não podem restar dú­vidas de que o peso do pas­sado, em que tal or­ga­ni­zação só era viável dentro do quadro de­fi­nido pelo re­gime sa­la­za­rista, ex­plica, ou pode ex­plicar, pelo menos, parte da si­tu­ação ac­tual.

Seja como for, a di­mensão hu­ma­ni­za­dora da acção do «ca­rola» impõe que a sua acção seja per­ma­nente re­for­mu­lada, acom­pa­nhando as trans­for­ma­ções da so­ci­e­dade global. O facto de serem os ele­mentos es­tru­tu­ra­dores da so­ci­a­bi­li­dade do seu clube, tendo como ele­mentos fun­da­men­tais a res­pon­sa­bi­li­dade, a cri­a­ti­vi­dade e a so­li­da­ri­e­dade, impõe que se cons­ti­tuam como o centro de um pro­cesso di­nâ­mico de adap­tação às ne­ces­si­dades dos seus só­cios, que, por na­tu­reza, se al­teram cons­tan­te­mente. Ora, esta ati­tude, não tem sur­gido e isso pro­voca graves con­sequên­cias.

É certo que este pro­cesso de re­for­mu­lação per­ma­nente, impõe uma con­co­mi­tante al­te­ração na si­tu­ação e no pró­prio es­ta­tuto do «ca­rola». A re­fe­rência ao pas­sado é im­por­tante, mas não pode con­ti­nuar a cons­ti­tuir o ele­mento es­tru­tu­rador do seu pro­jecto. Este deve «colar-se» à re­a­li­dade e é esta que im­porá a tra­jec­tória mais cor­recta, desde que de­vi­da­mente es­tu­dada mas, como é evi­dente, esta nova ati­tude não pode ser le­vada à prá­tica sem que a pró­pria so­ci­e­dade olhe o di­ri­gente des­por­tivo vo­lun­tário com ou­tros olhos (o que nos faz cair num cír­culo vi­cioso que tem de ser que­brado pela afir­mação do pró­prio Mo­vi­mento As­so­ci­a­tivo).

A falta de com­pre­ensão desta si­tu­ação cons­titui um dos fac­tores de­ter­mi­nantes da crise do di­ri­gismo des­por­tivo vo­lun­tário. Quando a cons­ci­ência desta si­tu­ação se tiver es­tru­tu­rado com so­lidez a ati­tude do di­ri­gente al­terar-se-á, par­ti­cu­lar­mente em re­lação ao Es­tado.

Nesta al­tura será pos­sível pensar na cor­recção pro­gres­siva de al­guns dos as­pectos es­sen­ciais que ca­rac­te­rizam a si­tu­ação ac­tual do di­ri­gente, em es­pe­cial da­quele que actua e é ori­gi­nário dos meios po­pu­lares. Es­tamos, assim, ou pa­rece que es­tamos, pe­rante um pro­cesso de «cau­sa­li­dade cir­cular», ou, dito em bom por­tu­guês, trata-se de saber o que surgiu pri­meiro, se o ovo, se a ga­linha; o di­ri­gente não actua de nova forma porque não tem con­di­ções. Logo não se impõe e não rei­vin­dica o novo es­ta­tuto a que tem di­reito. Como não rei­vin­dica e não impõe o seu tra­balho, a so­ci­e­dade não lhe for­nece as con­di­ções e sem estas...etc.

Para se impor e afirmar o seu tra­balho, o di­ri­gente des­por­tivo vo­lun­tário tem de cor­rigir al­guns da­queles as­pectos:

- tem de aban­donar uma ati­tude in­di­vi­du­a­lista, fe­chando o seu clube sobre si mesmo;

- deve pro­mover uma au­tên­tica vida de­mo­crá­tica e aban­donar um «ca­ci­quismo» que ca­rac­te­riza muitos deles;

- deve en­tender-se a si pró­prio como ele­mento cri­a­tivo es­sen­cial, em lugar de se po­si­ci­onar como sim­ples con­su­midor da ac­ti­vi­dade des­por­tiva ou, o que é pior, como es­tru­tu­rador de uma ati­tude con­su­mista dentro do seu pró­prio clube [a di­fícil com­pre­ensão deste pro­cesso cons­titui um dos sé­rios obs­tá­culos à mu­dança];

tem de re­pensar com se­ri­e­dade e re­a­lismo qual o papel ori­ginal que lhe deve caber no in­te­rior do Sis­tema Des­por­tivo Na­ci­onal, dei­xando de co­piar acri­ti­ca­mente os mo­delos de ac­tu­ação que herdou do pas­sado;

para que isto acon­teça não pode con­ti­nuar a co­locar-se na ati­tude «as­sis­ten­cial» de quem re­cebe sub­sí­dios me­di­ante re­gras em cuja ela­bo­ração não par­ti­cipou e que, de facto, li­mitam a sua ina­li­e­nável li­ber­dade, co­lo­cando-o ao ser­viço da po­lí­tica go­ver­na­mental (como é o caso dos cé­le­bres con­tratos – pro­grama);

- isto fará com que os di­ri­gentes re­jeitem a sua tra­di­ci­onal po­sição de vo­lun­tá­rios da «pe­núria», exi­gindo que seja in­te­gral­mente re­co­nhe­cida a sua função em termos so­ciais, cul­tu­rais e for­ma­tivos;

- para que isso acon­teça é in­dis­pen­sável que tome plena cons­ci­ência da função, sig­ni­fi­cado e im­por­tância do clube e de qual deve ser o seu papel no pro­cesso de de­mo­cra­ti­zação do des­porto e da pró­pria co­mu­ni­dade em que se in­sere;

- fi­nal­mente, não po­derá aceitar uma si­tu­ação am­bígua, que o co­loca entre os po­deres pú­blicos e a massa as­so­ci­a­tiva, como uma es­pécie de in­ter­me­diário entre a po­lí­tica es­tatal e/​ou mu­ni­cipal, e a acção a de­sen­volver pelo clube.

Nada disto sig­ni­fica que deva re­jeitar qual­quer tipo de co­la­bo­ração com os po­deres pú­blicos. Pelo con­trário: cons­ti­tuindo-se como or­ga­nismo pri­vado de­sem­pe­nhando uma função de ver­da­deiro ser­viço pú­blico, de­le­gado pelo Es­tado, é mesmo in­dis­pen­sável que esta co­la­bo­ração se es­ta­be­leça, mas através de me­ca­nismo de con­cer­tação co­lec­tiva (pois, em termos in­di­vi­duais, a sua força será nula) e de­vi­da­mente ne­go­ciada e ava­liada.



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