Um esboço de poder confessional

Jorge Messias

«As ins­ti­tui­ções so­ciais são fun­da­men­tais, ab­so­lu­ta­mente es­sen­ciais para po­dermos dar uma res­posta em tempo de crise. É pre­ciso que o Es­tado tenha a hu­mil­dade de pedir ajuda às ins­ti­tui­ções so­ciais. Neste mo­mento, nós sa­bemos que o Es­tado não pode estar so­zinho… Co­nhe­cemos a si­tu­ação de cerca de um mi­lhão de pen­si­o­nistas que re­cebem uma pensão mí­nima de 247, 227 ou 189 euros !» (Pedro Mota So­ares, ministro da So­li­da­ri­e­dade e Se­gu­rança So­cial, Jornal So­li­da­ri­e­dade, No­vembro de 2011).

«Não gosto de falar em ac­ti­vi­dades lu­cra­tivas em ins­ti­tui­ções so­ciais, não têm essa vo­cação. No en­tanto, elas podem ter re­sul­tados ope­ra­ci­o­nais po­si­tivos que ajudem a po­ten­ciar as res­postas que as pró­prias ins­ti­tui­ções têm...» (P. M. So­ares, idem, idem).

«São ta­refas fun­da­men­tais do Es­tado...Pro­mover o bem-estar e a qua­li­dade de vida do povo e a igual­dade real entre por­tu­gueses, bem como a efec­ti­vação dos di­reitos eco­nó­micos, so­ciais, cul­tu­rais e am­bi­en­tais, me­di­ante a trans­for­mação e mo­der­ni­zação das es­tru­turas eco­nó­micas e so­ciais» (Cons­ti­tuição da Re­pú­blica, Art.º 9.º).

 A «dí­vida so­be­rana» por­tu­guesa e os sa­cri­fí­cios im­postos pelo Es­tado aos ci­da­dãos não cessam de crescer. Criou-se uma si­tu­ação ir­re­ver­sível que é da total res­pon­sa­bi­li­dade do sis­tema ca­pi­ta­lista que mo­tiva as ac­tuais forças do­mi­nantes. O Es­tado gastou re­cursos de que o País não dis­punha, as­fi­xiou as ac­ti­vi­dades pro­du­tivas e impôs uma po­lí­tica con­su­mista que con­duziu o País à fa­lência. As­sinou com o FMI um con­trato cri­mi­noso que en­trega a es­tran­geiros a so­be­rania na­ci­onal. Agora, pro­cura vender pa­tri­mónio ao des­ba­rato, en­con­trar só­cios fi­nan­ceiros in­te­res­sados e manter, si­mul­ta­ne­a­mente, as po­lí­ticas de des­truição dos ins­ti­tutos cons­ti­tu­ci­o­nais. É lixo, a Cons­ti­tuição de Abril.

Na­tu­ral­mente que o «caso» por­tu­guês seria muito sim­ples de re­solver pelas oli­gar­quias e pelos mo­no­pó­lios numa si­tu­ação ca­pi­ta­lista prós­pera. Mas como o pa­no­rama uni­versal que se apre­senta é ca­tas­tró­fico, os fa­lidos go­ver­nantes por­tu­gueses pre­cisam de se so­correr de re­mé­dios ca­seiros. Vão sacar o di­nheiro onde quer que ele es­teja, menos aos bancos. Aí, nas ca­te­drais do ca­pital, o ter­reno é sa­grado.

Em tais ce­ná­rios, portas adentro as al­ter­na­tivas são mí­nimas.

O Es­tado tem muitos pro­dutos para oferta. Mas o mer­cado é tre­men­da­mente li­mi­tado. Reduz-se, na ver­dade, a dois gi­gan­tescos grupos eco­nó­micos: o dos mo­no­pó­lios fi­nan­ceiros e o lobby da Igreja Ca­tó­lica na­ci­onal que dispõe igual­mente de uma gi­gan­tesca massa de re­cursos e li­ga­ções a nível mun­dial. Cons­tata-se, em termos glo­bais, que nos planos po­lí­tico e eco­nó­mico, esses dois gi­gan­tescos polvos se or­ga­nizam, so­bre­tudo, por de­trás de es­tru­turas abis­sais e se­cretas como o Opus Dei e a Ma­ço­naria. Nelas se fixam os olhares an­gus­ti­ados dos mi­nis­tros. Mas para se pro­gredir nessa via é ne­ces­sário con­ci­liar in­te­resses.

 

O se­gredo é a alma do ne­gócio

 

E é aqui que «a porca torce o rabo».

À boca de cena, Igreja e Ma­ço­naria pa­recem in­com­pa­tí­veis, o que não é tanto assim. Ambos pre­tendem a subs­ti­tuição do Es­tado bur­guês, fa­lido e des­pres­ti­giado, e uma nova ar­ru­mação de va­lores. Sim­ples­mente, num caso e noutro, os fi­gu­rinos são di­fe­rentes. Os grandes ca­pi­ta­listas laicos, puros e duros, querem que a Nova Ordem avance já, sem olhar a con­sequên­cias, com os olhos postos num uni­verso onde o tra­balho seja com­ple­ta­mente es­cra­vi­zado ao lucro e ao cres­ci­mento mo­no­po­lista. Tudo pela força.

A Igreja es­colhe ou­tros ca­mi­nhos. Também ela visa as­sumir o poder e ins­talar no País uma chefia dura, fun­da­men­ta­lista e con­fes­si­onal com um go­verno «forte». Mas sabe que tudo tem o seu tempo e que vale a pena es­perar… avan­çando. Para isso, pre­cisa da gerir a crise. O Va­ti­cano sabe que o caos não só pode pro­vocar-se mas que também pode gerir-se. De que modo? Con­quis­tando os cen­tros de de­cisão, um após outro. A Se­gu­rança So­cial, a Edu­cação, a Saúde, a Cul­tura, a Jus­tiça. Para já, um a um, todos lhe vão caindo nas mãos. Usando a per­su­asão ou a força. Não es­que­cendo, por exemplo, que a ca­ri­dade em tempos de fome é uma ex­ce­lente fer­ra­menta do Poder.

É claro que há-de ser o Povo a pagar os custos de tudo isto. E não por um dia, por um mês, por uma se­mana, por um ano ou por um sé­culo. Se no mundo o ca­pi­ta­lismo so­bre­viver pe­ne­tra­remos num novo ciclo da His­tória. O da Nova Era ou Nova Ordem, sa­que­a­dora, brutal, fas­cista e capaz de impor à massa anó­nima o ca­pi­ta­lismo como uma re­li­gião e a re­li­gião como ópio.

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