A ofensiva contra o poder local

Um ataque às populações

Jorge Cordeiro (Membro da Comissão Política do PCP)

A coberto e a pretexto do programa da troika, o Governo, com a colaboração do PS, prepara na continuidade de orientações e opções adoptadas ou tentadas em momentos anteriores, um salto qualitativo na ofensiva contra o poder local democrático.

A defesa do poder local está ligado à luta pela rejeição do pacto de agressão

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Um ataque que constituiria, a concretizar-se, uma completa descaracterização dos elementos mais progressistas e avançados do poder local, a liquidação do que ele representa enquanto conquista de Abril com os seus elementos diferenciadores: um poder local amplamente participado; plural, colegial e democrático; dotado de uma efectiva autonomia administrativa e financeira; ocupando um lugar na organização democrática do Estado não subsidiário nem dependente do nível central.

Para os que ainda alimentassem ilusões com a chamada «reforma da administração local» divulgada pelo Governo, a proposta do Orçamento do Estado para 2012 encarrega-se de as desfazer: a asfixia financeira e a liquidação da autonomia administrativa do poder local ali presentes dão a dimensão exacta do modelo que o Governo ambiciona impor, assente na transformação das autarquias em meras dependências da administração central, desprovidas de meios e competências.

Este programa de agressão ao poder local é, na sua essência e consequências, um programa de agressão às populações e às suas condições de vida, indissociável da liquidação de direitos e de serviços públicos essenciais que a política de direita vem prosseguindo, desertificando territórios e condenando ao declínio muitos concelhos e freguesias. Um programa de agressão que tem sido suportado numa intensa campanha ideológica visando a menorização da sua imagem e a animação de desconfiança popular contra as autarquias.

O empolamento dado à questão do sector empresarial local (que partindo de uma situação real de recurso abusivo a esta figura por parte do PS e PSD tem também por objectivo atacar o sector público); a questão do número de pessoal dirigente nas autarquias (cerca de 2800, entre dirigentes superiores e intermédios, para 308 municípios que está longe de, em abstracto, poder ser apresentado como descomunal a menos que se tenha da visão das autarquias a da sua redução a um mero conselho de administração sem serviços e funções operacionais); ou as repetidas afirmações sobre despesismo e endividamento, fazem parte desta ofensiva.

 

Subversão total do poder local

 

O anunciado pacote legislativo tem por objectivo nos seus eixos centrais: I) o desfiguramento do sistema eleitoral com a eliminação da eleição directa das câmaras e a imposição de um regime de executivos homogéneos, ferindo irremediavelmente não apenas as características plurais e democráticas hoje existentes, mas sobretudo consagrando a opacidade e a falta de controlo democrático, em si mesmo factores de corrupção e ausência de transparência. Um desfiguramento acompanhado ainda de uma significativa redução do número de eleitos lesiva do carácter participado e democrático do poder local que, a concretizar-se a intenção do Governo, pode ascender a menos 20 mil eleitos, na sua maioria em órgãos deliberativos; II) a instituição de um regime de finanças locais cinicamente apresentado como «responsabilizante», assente na fiscalidade local, reduzindo os seus factores de coesão e eliminando o princípio constitucional da «justa repartição entre a administração central e local dos recursos do Estado», que não só liquidaria a autonomia financeira do poder local como transferiria, também no plano local, a busca de recursos para as costas das populações; III) uma subversão do actual regime de atribuições e competências, com a intenção de transferência de competências municipais para estruturas supra municipais, numa inversão completa do que devia ser um efectivo processo de descentralização a que as regiões administrativas dariam corpo; IV) uma «reforma administrativa» visando a extinção de centenas de freguesias, eliminando a participação política, reduzindo a proximidade e retirando força à representação dos interesses locais.

Este programa, a concretizar-se, constituiria de facto uma completa subversão daquilo que é e representa hoje o poder local democrático. A defesa do poder local está assim indissociavelmente ligado à luta pela rejeição do pacto de agressão.

Uma luta que tem de articular os aspectos gerais da ofensiva contra o poder local com as suas consequências concretas para as populações, os trabalhadores da autarquia, o movimento associativo local, outras organizações com intervenção no desenvolvimento local; que tem de articular a ofensiva contra o que directamente está associado às condições de exercício de funções das autarquias com a ofensiva mais geral contra os trabalhadores e o povo, contra os serviços públicos. Uma intervenção que una convergentemente eleitos e organizações para ampliar a luta, o protesto e a mobilização para derrotar este programa e esta política.



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