Jerónimo de Sousa alerta no debate quinzenal para dramas sociais e acusa Governo de política de terra queimada

Estoirar a vida das pessoas

Foi em nome do com­bate à dí­vida e ao dé­fice que o pri­meiro-mi­nistro jus­ti­ficou, sexta-feira pas­sada, no Par­la­mento, as me­didas de vi­o­lência ex­trema por si anun­ci­adas na vés­pera ao País. O que o Go­verno está a fazer «é uma po­lí­tica de terra quei­mada em re­lação à nossa eco­nomia», con­trapôs Je­ró­nimo de Sousa.

Op­ções do Go­verno são a favor do ca­pital

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Para o Se­cre­tário-geral do PCP, que in­ter­pe­lava o pri­meiro-mi­nistro no ha­bi­tual de­bate quin­zenal, este é, aliás, «um filme já visto», dadas as se­me­lhanças com o go­verno an­te­rior no que se re­fere, no­me­a­da­mente, a «dizer uma coisa e fazer outra bem di­fe­rente».

E re­cordou, a pro­pó­sito, que Durão Bar­roso a pre­texto do «País que es­tava de tanga» elegeu o dé­fice como o pro­blema dos pro­blemas; de­pois veio Só­crates cri­ticar o dé­fice dei­xado por Durão Bar­roso e San­tana Lopes; agora vem Passos Co­elho «dizer que o pro­blema está no dé­fice dei­xado por Só­crates».

«Ora sendo um pro­blema, não é o pro­blema cen­tral que atra­vessa o nosso País», se­gundo Je­ró­nimo de Sousa, que con­si­derou que as me­didas agora anun­ci­adas cor­res­pondem a «op­ções» que re­sultam da «ma­triz do pacto de agressão a que o País está su­jeito mas também da na­tu­reza clas­sista deste Go­verno».

Este foi um dos pontos a que o líder co­mu­nista deu es­pe­cial re­levo, lem­brando, a este res­peito, os efeitos de­vas­ta­dores das op­ções do pri­meiro-mi­nistro, a quem acon­se­lhou a fazer um exer­cício de maior hu­mil­dade no sen­tido de per­ceber a re­a­li­dade so­cial.

«Ó se­nhor pri­meiro-mi­nistro, você sabe lá o que é a vida, sabe lá quais são as con­sequên­cias e os dramas so­ciais que vamos as­sistir com estas me­didas dra­co­ni­anas que estão em curso», re­feriu.

 

Op­ções pelo ca­pital

 

O facto de o grande ca­pital passar pra­ti­ca­mente in­có­lume a qual­quer es­forço ou exi­gência, con­ti­nuar  es­can­da­lo­sa­mente pro­te­gido e be­ne­fi­ciar de um tra­ta­mento de pri­vi­légio não passou em claro na in­ter­venção do di­ri­gente co­mu­nista.

«É capaz de ex­plicar, mesmo por es­ti­ma­tiva, quanto é que nesta fac­tura é pago pelos ren­di­mentos do tra­balho, por quem vive dos seus pe­quenos ren­di­mentos, da sua re­forma e da sua pensão e quanto pagam o ca­pital, os grupos eco­nó­micos e par­ti­cu­lar­mente o ca­pital fi­nan­ceiro, que tem graves res­pon­sa­bi­li­dades pela si­tu­ação em que nos en­con­tramos?», per­guntou.

«Diga lá, porque é assim que se de­finem as op­ções», in­sistiu Je­ró­nimo de Sousa, num de­safio que não teve res­posta do chefe do Go­verno. Não há «margem para cortar mais na Saúde, na Edu­cação ou para cortar mais na área so­cial do Es­tado, na me­dida em que aquilo que é ine­fi­ci­ente, o que é gor­dura, vai mesmo ser exe­cu­tado», foram as pa­la­vras do pri­meiro-mi­nistro, assim fu­gindo à questão co­lo­cada.

Passos Co­elho per­sistiu, aliás, na mis­ti­fi­cação de que não há al­ter­na­tiva às me­didas e ao rumo se­guido – e este é um dos eixos prin­ci­pais em que as­senta a sua má­quina de pro­pa­ganda – e pro­curou des­colar dos go­vernos an­te­ri­ores, apon­tando-lhes, entre ou­tros pe­cados, a falta de um «exer­cício de fru­ga­li­dade no Es­tado», o «re­curso a exer­cí­cios de de­sor­ça­men­tação», a ine­xis­tência de «um exer­cício de exi­gência com o in­ves­ti­mento pú­blico», e a au­sência de um «ataque di­recto e ob­jec­tivo ao que são ex­cessos e ine­fi­ci­ên­cias da ad­mi­nis­tração». Com isso quis con­cluir que o seu con­su­lado é di­fe­rente e que re­pre­senta «um corte» com as prá­ticas an­te­ri­ores. E de­pois de des­crever «o ca­minho à nossa frente» como sendo «muito es­treito e re­al­mente de grande se­ve­ri­dade», num bál­samo à cons­ci­ência, con­fessou que não o faz «de ânimo leve».

Passos Co­elho afirmou ainda que a «sen­si­bi­li­dade so­cial está es­pe­lhada na­quilo que é in­dis­pen­sável», alu­dindo a «todos aqueles que são ri­go­ro­sa­mente mais vul­ne­rá­veis», aca­bando no en­tanto por ad­mitir que «há muitas ou­tras di­men­sões na so­ci­e­dade por­tu­guesa que não são ricas (…) e que vão fazer um grande sa­cri­fício».

 

Agravar de­si­gual­dades

 

Pe­gando no que aca­bara de ouvir, Je­ró­nimo de Sousa, na ré­plica, con­si­derou que o pri­meiro-mi­nistro só lhe veio dar razão. Com efeito, das suas pa­la­vras, ob­servou, só se pode ex­trair a con­fir­mação de que «os por­tu­gueses que vivem do seu tra­balho, da sua re­forma ou pensão, do seu pe­queno ne­gócio vão pagar com língua de palmo», en­quanto os grandes grupos eco­nó­micos, esses, podem dormir des­can­sados, já que em re­lação à sua «fac­tura» o pri­meiro-mi­nistro «o que disse foi zero».

Je­ró­nimo de Sousa re­parou aliás, com su­blime ironia, que o chefe do Exe­cu­tivo PSD-CDS/​PP na sua co­mu­ni­cação pro­fe­rida menos de 24 horas antes ao País ti­vera um as­si­na­lável per­calço, facto que não deixou de es­tra­nhar so­bre­tudo por ter vindo como veio de uma pessoa «que até cos­tuma ler tão bem».

É que mos­trou-se di­li­gente e pre­ciso quando se tratou de anun­ciar os cortes e as me­didas bru­tais mas «atra­pa­lhou-se e foi pouco claro» quando chegou à ta­xação dos off-shores», re­gistou o líder co­mu­nista.

Passos Co­elho, sem ar­gu­mentos que des­mintam as suas op­ções a favor do ca­pital, voltou a re­petir o que já dis­sera na vés­pera, ou seja que ha­verá um au­mento da tri­bu­tação sobre as trans­fe­rên­cias fi­nan­ceiras para pa­raísos fis­cais, em sede de IRS e para as em­presas. O que, con­ve­nhamos, é muito pouco ou nada, com­pa­ra­ti­va­mente com a in­su­por­tável carga fiscal im­posta ao tra­balho, mesmo le­vando já em conta a taxa adi­ci­onal de tri­bu­tação (mais cinco por cento para as em­presas com lu­cros acima dos 10 mi­lhões de euros) que no de­bate tirou da car­tola e quis apre­sentar como trunfo para dar con­sis­tência ao so­fisma de que o Go­verno, como chegou a dizer, está em­pe­nhado em «re­partir de forma mais equi­ta­tiva o es­forço entre o tra­balho e o ca­pital».


Fa­lhanço ga­ran­tido

 

A me­recer uma es­pe­cial atenção de Je­ró­nimo de Sousa no de­curso do de­bate es­teve a questão da com­pe­ti­ti­vi­dade, muito fa­lada pelo pri­meiro-mi­nistro. «Como é que de­cidiu o ca­minho?», per­guntou, re­gis­tando que o Go­verno PSD-CDS/​PP não se­guiu pela via da «cor­recção do custo dos fac­tores de pro­dução» que afectam as nossas pe­quenas e mé­dias em­presas nem pela sal­va­guarda do IVA in­ter­médio em sec­tores que «pre­cisam como de pão para a boca» que este im­posto não au­mente e que vão ao charco se assim acon­tecer, como é a res­tau­ração e a ho­te­laria, entre ou­tros.

«O que disse a esses sec­tores é que vai obrigar os tra­ba­lha­dores a tra­ba­lhar mais meia hora por dia, gra­tui­ta­mente», anotou, cri­ti­cando o facto de dizer, si­mul­ta­ne­a­mente, que «ha­verá a pos­si­bi­li­dade de des­pe­di­mentos ainda mais ba­ratos, o con­ge­la­mento dos sa­lá­rios na ad­mi­nis­tração pú­blica, ainda pi­ores ho­rá­rios, ainda menos di­reitos».

O que, tudo junto, para Je­ró­nimo de Sousa, é re­ve­lador do «grande equí­voco» em que o Go­verno está a in­correr. E que o con­de­nará «ao fra­casso», ad­vertiu, não he­si­tando em con­cluir ser esse o des­fecho «quando se des­va­lo­riza e ataca a força prin­cipal da eco­nomia – a força de tra­balho».

«Com estas me­didas de al­te­ração da le­gis­lação la­boral, com estas me­didas de pe­na­li­zação sobre quem tra­balha, está a pe­na­lizar essa força di­nâ­mica, a força de­ter­mi­nante para o cres­ci­mento e o de­sen­vol­vi­mento», su­bli­nhou o Se­cre­tário-geral do PCP, con­victo de que essa é uma das ra­zões pelas quais «o Go­verno vai fa­lhar», sendo que a outra, ex­plicou, é porque «no plano do cres­ci­mento quer fazer o exer­cício im­pos­sível da qua­dra­tura do cír­culo».

«Ex­plique lá, se­nhor pri­meiro-mi­nistro», de­sa­fiou Je­ró­nimo de Sousa, não des­cor­ti­nando como pode haver cres­ci­mento – «a eco­nomia tem leis», lem­brou – quando «há menos in­ves­ti­mento, ha­verá mais fa­lên­cias, mais de­sem­prego, menos con­sumo, sa­lá­rios mais baixos, re­formas mais baixas».

Questão ab­so­lu­ta­mente nodal, também esta não ob­teve res­posta do pri­meiro-mi­nistro. Ficou-se pelo enun­ciado vago de um de­sejo: «que o cres­ci­mento da eco­nomia possa re­tomar sem o es­tran­gu­la­mento do peso do dé­fice e da dí­vida».



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