Com a Saúde não se brinca
Às populações e aos profissionais compete agir em defesa do Serviço Nacional de Saúde, um modelo cujas virtualidades são por de mais evidentes, não obstante a degradação e os contínuos ataques de que tem sido alvo.
Governo põe em causa o direito à Saúde
Esta foi a questão chave que perpassou a interpelação do PCP ao Governo realizada no dia 12 sobre política de Saúde. Luta pela salvaguarda do SNS, enquanto instrumento capaz de garantir o direito à Saúde a todos os portugueses, independentemente das condições socioeconómicas, tal como o consagra a Constituição.
Por isso esta foi uma iniciativa oportuna e plenamente justificada face à acção de um Governo que, aprofundando linhas essenciais do seu antecessor (desinvestimento e ataque aos direitos dos profissionais, nomeadamente), tem da Saúde uma visão tacanha e contabilística, sendo incapaz de a encarar como «um investimento não só na vida das pessoas mas na economia, pelo aumento da produtividade, das condições de vida e de trabalho».
«O Governo tem a perspectiva dos privados: vê a questão como despesa causada pela doença, tal como os privados vêem na doença a oportunidade de lucro», sintetizou, na perfeição, o líder parlamentar do PCP, mostrando como esta visão está na antípoda daquela que deveria ser a política neste domínio, ou seja uma política centrada na promoção da Saúde.
Cortes cegos
Foram estas duas concepções que acabaram por estar em confronto num debate onde o ministro Paulo Macedo, dando ares de guardião da causa pública, mais pareceu o titular da pasta das Finanças, cabendo à bancada comunista pôr a nu a insensatez de uma política que aplica medidas «como se a Saúde fosse uma folha de cálculo», reduzindo custos a qualquer preço, sem cuidar das consequências para as pessoas.
Foi a partir deste prisma que os deputados do PCP analisaram a política do Governo, nela identificando três eixos condutores: o corte cego nos serviços de Saúde, a transferência de cada vez mais custos para a população, e, por último, o favorecimento do sector privado.
Quanto aos cortes – justificados pelo ministro com a «sobrevivência do SNS» e com um alegado combate ao «desperdício e à ineficiência» –, foi demonstrado pelos deputados comunistas que não há qualquer promoção de eficiência nas medidas do Governo e que estas se limitam apenas a ceifar a eito, em prejuízo dos utentes.
E a verdade é que «já não há espaço para mais cortes», advertiu Bernardino Soares, fazendo notar que «cada restrição tem um efeito directo na diminuição do direito à Saúde», traduzindo-se em «encerramentos, em horários reduzidos, em falta de profissionais, em cortes de valências, em dificuldade de acesso aos exames e aos tratamentos, em quebra da qualidade, no condicionamento do exercício profissional».
Taxas agravadas
Em suma, cortes na prestação dos cuidados de Saúde à população. O que levou Bernardino Soares a lembrar a alegoria sobre o camponês que queria habituar o seu cavalo a não comer e que para isso lhe reduziu a ração, dia após dia, até ao momento em que, quando finalmente aquele se desabituou de comer... morreu. «O Governo quer matar o SNS ou reduzi-lo a um estado de inanição», concluiu, assim, o presidente da formação comunista, antes de mostrar, por outro lado, como são cada vez maiores os custos directos pagos pela população para aceder aos cuidados de Saúde.
«Cada recuo dos serviços de Saúde, cada descomparticipação, cada aumento das taxas moderadoras é um custo acrescido para a população», exemplificou o líder parlamentar do PCP, falando desse segundo vector que define a acção governativa na área da Saúde. Sobre as taxas moderadoras, aliás, a bancada comunista viu goradas todas as tentativas para que o titular da pasta da Saúde esclarecesse o montante do aumento, quais os novos actos abrangidos e qual a data da sua entrada em vigor. Paulo Macedo fugiu sempre à questão, nomeadamente quanto a dizer se vai ou não haver um agravamento das taxas moderadoras já em Dezembro e outro em Janeiro.
Privados a encher
Da interpelação resultou ainda claro – o que nos conduz ao terceiro eixo da política de Saúde – que o Governo usa o álibi do desperdício para cortar na capacidade dos serviços mas não se coíbe de em simultâneo continuar a favorecer de forma escandalosa os hospitais privados, assinando novos acordos e transferindo para estes verbas do OE através da ADSE.
Ainda «recentemente foi alargado o acordo da ADSE para os hospitais CUF do Grupo Mello e mantém-se a entrega das chorudas parcerias público privadas aos principais grupos do sector, quando já demonstraram que não servem o interesse público, como está bem visível na parceria público-privada do Hospital de Braga», denunciou logo na abertura do debate a deputada comunista Paula Santos.
Também neste capítulo o ministro quis cultivar a imagem de «rigor» e fazer passar a ideia de que o grau de exigência actual aos privados não tinha paralelo no passado. Voltou a não esclarecer, porém, apesar das insistências do PCP, qual o valor das transferências do OE para os hospitais privados, limitando-se à referência de que é menos do que a despesa da ARS Centro. Ora sendo esta de 621 milhões de euros, como observou Bernardino Soares, que fez as contas, então, se a entrega for por exemplo de 600 milhões de euros, isso corresponderá a cerca de oito por cento do orçamento total do SNS.
Ou seja, são milhões para alimentar negócios privados que, como sublinhou o presidente do Grupo parlamentar do PCP, «faltam aos hospitais e centros de Saúde públicos».
Sempre a «malhar»
A visão economicista que preside à política de Saúde está bem patente no conjunto de medidas adoptadas pelo Governo nestes três meses onde a sua única preocupação
foi cortar, cortar a torto e a direito, ignorando as consequências em termos de acesso aos cuidados de Saúde e à sua qualidade.
A deputada comunista Paula Santos lembrou no decurso do debate algumas dessas medidas – uma verdadeira lista negra – que são reveladoras das opções de um Governo que maltrata os portugueses.
É o caso do fim do reembolso aos utentes do SNS, introduzindo obstáculos no acesso a próteses, óculos, ou serviços de estomatologia, a par da redução do apoio ao transporte de doentes não urgentes, impossibilitando assim a milhares deles o acesso a consultas e tratamentos.
A redução de horas extraordinárias sem o respectivo reforço dos profissionais de Saúde, conduzindo à ruptura de muitos serviços, sobretudo nas urgências, é outra das marcas desta política, que assume expressão igualmente negativa no corte aos incentivos à transplantação, levando à redução da recolha e transplante de órgãos e, consequentemente, a que muitos portugueses vejam gorada a expectativa de resolver o seu problema de saúde.
A este Governo ficam ainda a dever-se as restrições no acesso aos meios complementares de diagnóstico e terapêutica, aumentando as listas de espera, devido à interpretação abusiva das novas regras de prescrição.
A redução de 11% no orçamento dos hospitais públicos, por outro lado, como afirmou Paula Santos, «agravou a situação de subfinanciamento crónico, com reflexos nas elevadas dívidas, na falta de material clínico e na carência de profissionais de Saúde», levando, inclusivamente, a que alguns hospitais já não disponibilizem os medicamentos aos utentes na farmácia hospitalar, nomeadamente os medicamentos biológicos.
Piores serviços
São muitos os dados e os factos que comprovam a degradação dos serviços públicos de Saúde, com óbvio prejuízo para os utentes. Ao longo da interpelação foram referenciados inúmeros casos que ilustram esta realidade pela qual é responsável um Ministério que entre 2006 e Junho de 2011 perdeu mais de 24 mil trabalhadores, correspondendo a uma redução de 22%.
A deputada Paula Santas lembrou, por exemplo, que mais de 1,7 milhões de utentes não têm médico de família, sendo registada ainda a carência de, pelo menos, mais cinco mil enfermeiros nos cuidados de Saúde primários. A restrição na contratação de profissionais obrigou, por seu lado, em muitas unidades de Saúde, ao recurso à subcontratação de médicos, enfermeiros ou assistentes técnicos (com relações laborais muito precárias e instáveis), com custos muito superiores para o Estado. Verberada pela bancada comunista foi também a redução de horas médicas e de enfermagem subcontratadas, o que levou já ao despedimento de 46 enfermeiros em centros de Saúde do distrito de Lisboa, estando em marcha o despedimento de cerca de 50 no Hospital Garcia de Orta, enquanto em Ourém foram reduzidas em 60 por cento as horas contratadas, percentagem que para o ano será de 100%.
Elucidativos do actual quadro na Saúde são, noutro plano, os encerramentos programados ou em curso, como o SAP de Sesimbra (encerrado desde 1 de Outubro último) ou o SAP de Amora que reduziu o horário de funcionamento, não deixando às populações outra alternativa que não seja a caótica urgência do Hospital Garcia de Orta. Em Ourém, o Centro de Saúde deixou de funcionar 24 horas e anuncia-se nova redução de horário, restando apenas as urgências em Tomar, a 27 km. Citado foi também o Centro de Saúde de Arcozelo, em Vila Nova de Gaia, que reduziu o horário de funcionamento, enquanto que nos concelhos do Vimioso, Miranda do Douro, Alfândega da Fé e Freixo de Espada à Cinta encerraram os serviços de radiologia.