Os ricos…

Francisco Mota

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Com toda a minha admiração pelos banqueiros deste país

Cuca estava deitada naquela praia quase deserta do Nordeste do Brasil, com o seu ínfimo biquíni e sentia o calor do sol na pele, que refrescava de vez em quando nas águas mornas do Atlântico. Cuca, realmente Maria da Conceição Silva, estava casada com Luisito, realmente Dr. Luis D’Ornellas Lumbrales, que tinha começado por ser chefe do departamento jurídico do Banco Atlântico, apesar de ter como nota de licenciatura 10,56, porque o seu tio, ex-ministro de Salazar tinha muitas influências e conseguiu metê-lo depois no Conselho de Administração do Banco Comercial Milenário, onde por influência do seu presidente pediu o ingresso no Opus Dei, forma segura de progredir na vida. Aí conheceu a jovem Cuca com quem casou apesar da diferença de idades ser de mais de vinte anos.

Agora estavam os dois num resort de luxo, mas as suas vidas pouco se cruzavam. Cuca era uma mulher bela com quase 40 anos e Luisito (como era conhecido nos meios bancários, pelo seu pequeno tamanho proporcional à sua inteligência, também pequena) exibia a sua barriga, a sua calvice, a sua alarvice, os seus 60 e pico anos e as suas bebedeiras diárias de caipirinhas.

Luisito estava preocupado depois do escândalo do Banco de Negócios, para onde tinha saltado, e era a razão da sua estadia no Brasil, para sair da circulação em Portugal, não fosse aparecer algum juiz que, estupidamente, quisesse conhecer toda a história da falência do banco. Tinha esperanças de que isso não aconteceria porque Cavaco, Constâncio, Sócrates e Passos Coelho tinham actuado bem, o que, aliás, era a sua obrigação por favores antigos e outras coisas.

Cuca caminhou até ao bungalow, tomou banho e preparou-se para o jantar. Vestidos leves e insinuantes, às vezes transparências arrojadas, faziam dela um objeto desejado. Procurou a mesa onde Luisito a esperava com um gin-tonic e pediram os pratos. Era sempre a mesma coisa: Luisito queria bons bifes, lagostas e às vezes rodízio. Nunca provava a comida local porque dizia que tudo aquilo eram papas para pretos. Cuca variava todos os dias: siri em frigideira ou frito, moqueca de peixe ou camarão, ensopado de camarão e coco, farofas de diferentes peixes e mariscos, fritada de caranguejo e até feijoada brasileira, apesar de não ser prato da zona. Ele pedia sempre vinhos portugueses caros e nem sempre bem conservados. Ela bebia vinhos brancos argentinos ou chilenos ou algum tinto malbec argentino de Mendonza.

Nesse dia, Luisito disse-lhe: «Olhe Cuca, está eminente uma viagem a Londres para tratar de assegurar os meus direitos na distribuição dos lucros daquela operação na República Dominicana, de que tanto a imprensa falou, sem nunca chegar, felizmente, ao final». Cuca perguntou: «E é preciso que você vá?». Luisito disse-lhe : «Repare, para abrir um conta num paraíso fiscal não é preciso ir lá. Em Londres há uma grande quantidade de senhores que abrem essas contas no seu nome, no sítio que escolhemos – no nosso caso as ilhas Caimão – e imediatamente depois nos vendem as ações dessas companhias, sem que o nosso nome apareça nunca. Nós sempre trabalhamos com o Mister Cook, um modelo de honestidade. Agora, que parece que tudo acalmou, recebi uma chamada do Conselheiro Loureiro, de Cabo Verde, a dizer-me que dentro de dois dias vamos a Londres falar com o Mr. Cook os cinco que controlamos a conta e vamos separá-la noutras tantas empresas em nome de cada um. A mim devem-me tocar uns 20 milhões de euros. Acredite Cuca! Por um lado estou feliz e ao mesmo tempo, um pouco nervoso». Cuca ouvia, sorria e pensava que não se tinha enganado com aquele imbecil. Tinha ali uma mina de ouro. Virou-se para pedir o segundo prato ao empregado e ficou com os olhos nele: mulato, um metro e noventa, sem uma grama de gordura e com os peitorais marcados na camisa. Chamava-se Walter. Inevitavelmente o Luisito começou a beber caipirinhas sem parar. Suava e tentava dançar com as belas morenas que vinham alegrar o baile que havia todas as noites. Cuca sentiu nojo, levantou-se e ao passar por Walter disse-lhe: «Amanhã quero dar um passeio pelas dunas num dos vossos buggys. Espero-te às 10 horas».

Às 10 horas Luisito ressonava, depois de ter vomitado como todas as noites. Cuca vestiu um dos mini-biquínis brasileiros que lhe tapava menos de uma centésima parte do seu corpo, desceu do quarto e saltou para dentro do carro aberto onde Walter estava ao volante. Subiram e baixaram pelas dunas, rodaram na água e voltaram a subir, até chegarem a uma zona de muitos coqueiros que fazia uma pequena mata. Cuca disse-lhe que parasse e tirou a parte de cima do biquíni. Walter, assustado, disse; «senhora! no Brasil é proibido fazer topless!». Então Cuca tirou a parte de baixo – «pronto, estou de acordo, já não estou em topless. Anda que a água deve estar muito boa». Walter compreendia rápido, despiu-se e levou-a ao colo até ao mar. Nenhum ser humano em quilómetros, e eles deitados na praia, cansados, arfantes e felizes. Até que ela disse «Walter, hoje ao almoço está atento. Se eu te fizer um sinal, vai ser assim todos os dias».

Ao almoço Luisito confirmou-lhe que essa tarde tinha que sair do resort e ir para o aeroporto para apanhar um avião para Londres. Demoraria pelo menos uma semana. Cuca podia ficar ali o tempo que quisesse e por telefone combinariam onde se encontravam depois. Cuca esteve de acordo e até comeu com ele umas lagostas grelhadas em vez do Xinxim de galinha ou do Vatapá que tanto lhe apeteciam. Quando terminaram despediram-se ali mesmo, com um abraço sem amor. Detrás dele estava, no seu posto, Walter, que viu como o polegar de Cuca se levantava alegre no ar. Um sorriso discreto e fino apareceu na sua boca.

(Conclui no próximo número)



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