Fome de justiça social
«O Estado moderno e a democracia moderna obrigam a uma concepção nova relativamente ao serviço público. As redes de serviço público não podem ser exclusivamente centradas no Estado ou nas iniciativas estatais. Numa democracia moderna, assentam sempre na complementaridade entre o Estado e a sociedade e no respeito escrupuloso da subsidiaridade, o que significa que os problemas dos cidadãos têm de ser resolvidos a partir deles mesmos...» (Prof. Oliveira Martins, Presidente do Tribunal de Contas).
«É urgente um novo Contrato Social com o Sector Solidário… os tempos que correm no mundo são tempos muito difíceis… impõe-se enfrentar os riscos que a situação da crise provoca numa lógica que é a de encarar a crise mas também como uma oportunidade para disseminar os valores e as boas práticas do Sector Solidário.» (SOLIDARIEDADE, Junho de 2011).
«Para quebrar a resistência das classes defensoras do passado, só há um meio: buscar na sociedade que nos rodeia e, depois, educar e organizar para a luta as forças que podem e devem, pela sua situação social, tornar-se capazes de varrer o velho e criar o novo... O proletariado instruí-se e educa-se conduzindo a sua luta de classe...» (Lenine, “Karl Marx e o Desenvolvimento Histórico do Marxismo”, Março de 1913).
Por alturas do 25 de Abril e num curto espaço que lhe sucedeu ouvia-se muito o mundo católico clamar por « melhor justiça social»… Depois, esse grito de alma foi esmorecendo a ponto de hoje quase nem se ouvir. O fenómeno de fossilização da Cúria Romana é por demais evidente. E é cada vez maior o espaço vazio que separa o povo laico e o laicado católico das elites dirigentes. Há estagnação da assistência às missas, há ruptura nas reacções populares aos grandes cenários montados pelo Vaticano (como ainda recentemente se viu em Espanha) e, sobretudo, o povo comum começa a perceber como é gigantesca a presença do fundamentalismo das igrejas na Comunicação Social. Esse fundamentalismo, aliado ao poderio dos grupos financeiros que a Igreja controla, tem permitido ao Vaticano compor a imagem de um «mundo do faz-de-conta» que é rigorosamente o inverso do mundo real. Em segredo, à sombra da propaganda a que chamam «informação», os cardeais e os bispos ganham rios de dinheiro e acrescentam poder ao poder magestático que a Igreja já detém.
Uma «pedra no sapato» da República : a Concordata
A hierarquia portuguesa continua a insistir em dar a sua bênção às políticas que provocam a crise generalizada, apoiam os interesses das fortunas e lançam o povo na miséria. Mas foge à observação de muitos de nós que a Igreja católica não paga IVA ou IRS, mesmo que as taxas aumentem para os trabalhadores, goza de isenções e tem direito ao reembolso de outras prestações, valoriza constantemente o seu património imobiliário e alarga a sua área de influência na medida em que empobrece e retira direitos à Segurança Social, ao Serviço Nacional de Saúde e ao Poder Local. A hierarquia católica consolida as suas posições políticas ultra-conservadoras fechando os olhos ao desemprego e ao estrebuchar da classe média. Por outro lado, nada em dinheiro nos seus off-shores. Assim, a miséria do povo contribui para o maior esplendor do alto clero.
Na base deste estado de coisas gritantemente imoral está a Concordata de 1940, mais tarde «maquilhada», ainda que ao de leve. É aí que cardeais e pantufos vão branquear os lucros dos seus crimes de lesa-pátria. E é também por aí, escudados nas garantias concordatárias, que se tece a rede fina que liga a Igreja fundamentalista à direita mais reaccionária detentora do poder.
Mete-se pelos olhos dentro que com esta política não há reforma que valha. Tudo irá de mal a pior. O aparelho político e administrativo será destruído sem que qualquer alternativa esteja preparada para o substituir. Os salários e as pensões ficarão congelados e acabarão por reverter para o reforço do grande capital. O País viverá de esmolas principescamente pagas, até que a soberania se apague e novos patrões tomem conta de nós, tão corruptos como os que já cá estão.
Resistir e lutar é via sem alternativa. Os católicos deveriam dar um abanão à sua consciência entorpecida. «Varrer o velho» e criar «o novo», partindo para o futuro em busca de valores e recusando, como diria Camões, a «austera, apagada e vil tristeza» em que somos obrigados a viver .
Que urgentemente os crentes se interroguem sobre o sentido da herança que querem deixar aos portugueses!