Os branqueadores

José Casanova

Já me ti­nham fa­lado das con­versas de Fer­nando Da­costa, es­to­ri­ador es­pe­ci­a­lista em «Es­tado Novo», na An­tena 2. No do­mingo pas­sado tive opor­tu­ni­dade de ouvir a coisa, nesse dia de­di­cada ao ano de 1962.

Os dois pro­ta­go­nistas – a coisa é feita a dois: o Da­costa e o res­pon­sável pela ru­brica – tra­varam, du­rante 45 mi­nutos, uma ani­mada con­versa.

Em regra le­vando a coisa para a brin­ca­deira, con­taram es­tó­rias do Sa­lazar, cheias de piada e car­re­gadas de in­te­resse es­tó­rico, gé­nero: então ele chamou os mi­nis­tros e disse-lhes…; ou: então ele chamou lá o fu­lano e per­guntou-lhe… – e, em dis­curso di­recto, como se quem conta ti­vesse es­tado pre­sente, é-nos dito o que o Sa­lazar disse ou per­guntou

Tra­tava-se, então, do ano de 1962. É claro que deram al­guns saltos atrás – o que lhes per­mitiu abordar temas como «Hen­rique Galvão e o Santa Maria» – e al­guns saltos à frente – para fa­larem, por exemplo, da «cri­ação da Rádio Voz da Li­ber­dade, por Ma­nuel Alegre e Pi­teira Santos»...

Sobre o ano de 1962, pro­pri­a­mente dito, far­taram-se de falar da guerra nas «pro­vín­cias ul­tra­ma­rinas» e da só­lida «uni­dade na­ci­onal» então exis­tente em torno da guerra e pela «de­fesa da pá­tria» – «uni­dade» pa­tente na cri­ação do «mo­vi­mento na­ci­onal fe­mi­nino» e das «ma­dri­nhas de guerra» e na «proi­bição da pros­ti­tuição»…

Ah!, e fa­laram, também, da «opo­sição ao Es­tado Novo», a qual se re­sumiu, nesse ano de 62, ao «fra­cas­sado ataque ao quartel de Beja»…

Na­tu­ral­mente, não fa­laram, porque não es­tavam ali para isso, das lutas ocor­ridas nesse ano contra o re­gime fas­cista: as fortes lutas dos es­tu­dantes, logo no início de 62, e as lutas dos tra­ba­lha­dores du­rante todo o ano, entre elas o po­de­roso 1.º de Maio – o maior e mais forte de sempre – e a his­tó­rica con­quista das oito horas pelo pro­le­ta­riado agrí­cola do Sul.

E porque, re­pito, não es­tavam ali para isso, também não fa­laram da re­pressão fas­cista, muito menos dos as­sas­si­natos de Es­têvão Giro, An­tónio Adângio e Fran­cisco Ma­deira…

Faltou-lhes, enfim, falar do fas­cismo e da re­sis­tência ao fas­cismo – pa­la­vras que, no cum­pri­mento da ta­refa de bran­que­a­dores, ti­veram o ci­rúr­gico cui­dado de evitar.

Porque eles es­tavam ali era para falar do «Es­tado Novo»…



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