Sudão do Sul
A comunicação social nacional e internacional fez assinalável eco da proclamação da independência do Sudão do Sul, região onde se produzia 80 por cento do petróleo do Sudão. O nascimento deste país a 9 de Julho foi acompanhado por expressões de apoio entusiástico por parte das principais potências imperialistas. A UE «congratulou calorosamente o povo do Sudão do Sul pela sua independência». Barack Obama, após reconhecer o país, afirmou em tom profético: «O dia de hoje recorda que depois da obscuridade da guerra é possível a luz de uma nova manhã». França, Alemanha e Grã-Bretanha alinharam pelo mesmo registo.
Em Janeiro deste ano realizou-se um referendo no Sul para determinar se os quase nove milhões de habitantes dessa região, 25 por cento da população sudanesa, queriam ou não a independência. Optaram pela independência 98,83 por cento dos votantes. A realização do referendo fazia parte do Acordo de Paz assinado em 2005, após uma guerra civil de mais de 20 anos, que incluía ainda compromissos como a formação imediata de um governo autónomo no Sul, a repartição em partes iguais das receitas do petróleo e a definição da linha de fronteira. A História mais recente do Sudão é comum à maioria dos países africanos explorados pelas potências coloniais. Foi um protectorado britânico-egípcio entre 1898 e1955, período durante o qual foram criadas e exploradas diferenças nacionais e religiosas, fomentados desequilíbrios territoriais e desigualdades que estiveram geraram na população do Sul o «sentimento» ser colónia do Norte. Em 1971, o presidente sudanês, Gaafar Nimeiry, impôs a lei islâmica, após uma tomada do poder sangrenta, prendendo e matando membros do influente Partido Comunista do Sudão.
Um processo contraditório
A divisão do Sudão, país árabe-muçulmano (Norte) e africano-cristão (Sul), resulta de diferenças internas aproveitadas e exacerbadas pelo imperialismo e pelos seus aliados. Parte activa na assinatura do Acordo de Paz em 2005, EUA e UE promoveram a realização do referendo e a independência do Sudão do Sul como opção única, incentivando a quebra da unidade do país.
Israel, acentuando a sua acção desestabilizadora na região, teve neste processo um papel destacado, contribuindo para a criação de um perigoso precedente para outros estados africanos e árabes, com desenvolvimentos imprevisíveis. Avi Dichter, antigo ministro da Segurança Interna de Israel, produziu a propósito as seguintes declarações: «Tivemos que enfraquecer o Sudão e privá-lo da possibilidade de construir um estado forte e unido. Isto é necessário para reforçar e fortalecer a segurança de Israel.»
O Sudão do Sul surge como um dos países mais pobres do mundo: 90 por cento da população vivem com menos de um dólar diário, 85 por cento são analfabetos, 80 por cento não têm água potável, 33 por cento sofrem de fome crónica, menos de um por cento das crianças concluem o ensino primário, uma em cada dez crianças morre antes de cumprir um ano de vida. A guerra destruiu a reduzida infra-estrutura e os quase inexistentes serviços básicos do país.
Os desafios são imensos. Em disputa está uma pequena parte dos 6700 milhões de barris de petróleo que se calcula serem as reservas do Sul. O acordo sobre a repartição das receitas do petróleo entre Norte e Sul não está ratificado. O país tem grandes potencialidades. Tem vários minérios importantes (ouro, prata, zinco e cromo). O Sul tem recursos hídricos importantes (é atravessado pelo rio Nilo), que contrastam com o Norte desértico, tem florestas tropicais e uma variedade de fauna ao nível de países como o Quénia e Tanzânia.
O futuro do Sul e Norte já começou. A confrontação entre os interesses nacionais e o imperialismo também. No Sudão do Sul, como em muitos outros países do Terceiro Mundo, assiste-se a uma corrida às terras férteis. Segundo dados do Banco Mundial, apenas em 2009 – depois da crise dos preços dos produtos alimentares de 2008 –, 56 milhões de hectares de terras férteis foram adquiridas em África (aproximadamente o tamanho da França) por investidores privados e empresas, fundos de pensões e outros fundos especulativos, nomeadamente da UE e dos EUA, que vêem na aquisição de terras um investimento com perspectivas de lucros fabulosos. Segundo um centro de investigação americano (Oakland Institute), nove por cento da área total do Sul do Sudão poderá ter sido entregue através de vários esquemas de investimento.
A soberania sobre os seus recursos e a sua capacidade de produzir alimentos para o seu povo estão ameaçadas. Assim se compreende o regozijo da UE, EUA e aliados.