O abismo da crise e a questão da soberania

Luís Carapinha

A tendência de profunda rearrumação de forças no mundo não se deterá

M ultiplicam-se os sinais de ulterior degradação da situação internacional. A espiral da crise que assola os pólos da tríade capitalista empurra o mundo para novas situações explosivas de consequências imprevisíveis. Perante o vórtice da contaminante toxicidade financeira, redobra de virulência a agenda exploradora e hegemónica do imperialismo. O intervencionismo e a desestabilização alastram a países e regiões inteiras do planeta.

Correndo contra o tempo, os EUA e a NATO projectam a uma escala inaudita a sua força militar global. Mas a urgência da crise transporta também no bojo o desenvolvimento das contradições e elementos de rivalidade inter-capitalista que não cessam de socavar os pilares da concertação.

 Duas décadas depois da desagregação da URSS adensa-se a incerteza. Pese embora o frenesim da cavalgada contra os direitos do trabalho e a soberania dos povos, a verdade é que os «dilemas» da crescente incapacidade sistémica do capitalismo em assegurar a reprodução da mais-valia se mantêm. Como confessa um executivo da alta finança, vivemos «tempos estranhos e perigosos» em que «tudo é possível» (FT.com, 04.07.11).

 

A  UE é bem montra da gravidade da situação. Há muito arrumada a falácia da “coesão social”, o desgoverno capitalista reinante em Bruxelas clama pelo poder absoluto de um super-directório europeu para continuar a gerir o ruinoso processo de transvase de bens públicos para as mãos dos monopólios privados.

Seguindo a lógica da inevitabilidade que impõe injustos e insuportáveis sacrifícios sociais a milhões de trabalhadores e homens e mulheres, afrontando a sua dignidade e direitos fundamentais, o grande capital quer também converter a «crise da dívida soberana» num ataque frontal aos próprios fundamentos da soberania.

 Assim o demonstra explicitamente o exemplo de ponta da Grécia. É o máximo representante da Zona Euro, Jean-Claude Juncker, quem o afirma: «A soberania da Grécia será grandemente limitada» e a solução passa por «privatizar os activos do Estado numa escala similar à feita pela Alemanha Oriental nos anos 90» (Reuters, 03.07.11). O também primeiro-ministro do Luxemburgo referia-se ao modelo da Treuhand, a agência pública fiduciária responsável pelo desmantelamento e pilhagem da economia da antiga República Democrática Alemã, numa campanha privatizadora porventura só ultrapassada na história pelo esbulho do erário público na ex-URSS.

 É claro que para  Juncker e a UE, o facto de a Treuhand ter fechado portas com um passivo calculado em mais de 250 mil milhões de marcos não passa de uma questão de somenosc

 

O  salto qualitativo do ataque à soberania fazem desta uma questão central que continuará a pautar o «processo da UE» e, analogamente, a incorporar a resistência e luta à sua essência de classe, de centralização e concentração capitalistas.

 A  existência e manutenção da independência nacional não é possível num quadro esvaziado dos atributos do exercício efectivo da soberania. O assalto frontal à soberania e independência dos estados membros, decorrente da natureza da UE, atenta contra os próprios fundamentos do regime democrático.

Um processo que, mais além, não deixa de se articular e inserir na escalada neocolonial do imperialismo, na imposição dos princípios de intervenção, extra-territorialidade e a completa subversão do direito internacional a que se assiste nos nossos dias.

 

É  preciso porém não esquecer que o «rei vai nu», como aliás o evidencia o abismo da crise.

 A  tendência de profunda rearrumação de forças no mundo não se deterá. O seu rumo e contornos serão determinados pela resistência e lucidez dos trabalhadores, povos e forças do progresso social, que lutando pelos seus direitos e dignidade, por um mundo de paz, pela efectiva emancipação e o socialismo, farão avançar a roda da História.



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