A «eficácia» especial do «carola»
A acção voluntária, não remunerada, naturalmente subordinada a interesses individuais que só ao próprio dizem respeito, constitui o meio de associar motivações, coordenar esforços, promover consensos e garantir a animação de equipas capazes de conceber e pôr em prática projectos essenciais para o desenvolvimento pleno do ser humano. Projectos que, pela sua natureza própria, não encontrariam, dentro da sociedade, outra forma de se organizarem e desenvolverem, especialmente se se tomar em consideração os princípios e normas éticas e o significado humanizador dos seus objectivos.
Ao contrário daquilo que muitos pensam, o trabalho do dirigente associativo benévolo não se limita a traduzir uma forma desvalorizada, pouco consistente e menos estruturada das formas do trabalho remunerado. A sua acção traduz uma vontade diferente e exprime-se de uma forma que o trabalho profissional nunca pode preencher, na medida em que as motivações são diferentes, assim como a «forma de estar». Isto significa que defender que o dirigente benévolo deve passar a ser substituído por um gestor que, naturalmente, não é benévolo, em nome de uma hipotética eficácia, é cair numa grave confusão e não tomar na devida conta o interesse especial que um indivíduo manifesta em participar na vida da sua comunidade sem nada receber em troca do ponto de vista material. Além do que seria bom avaliar a tal «eficácia» de que tanto se fala e que é tantas vezes desmentida em múltiplas situações.
De qualquer forma, é indispensável ter a consciência de que, atacado por uns, defendido por outros, o dirigismo benévolo constitui, no momento actual, uma questão complexa que não se compadece com análises simplistas e redutoras. Trata-se de tornar mais claro o sentido e o significado de um conjunto de escolhas que se referem a uma forma de vida e a uma determinada concepção do sistema social. Esta visão tem como sinal distintivo essencial colocar no centro das preocupações o ser humanoe tudo aquilo que pode concorrer para a sua emancipação e pleno desenvolvimento, no interior de uma sociedade mais solidária e, por isso, mais humana.
O indivíduo encontra-se sistematicamente desvalorizado num sistema de relação de carácter essencialmente economicista, quando não é pura e simplesmente utilizado como simples agente de consumo.
Por isso, o dirigente associativo benévolo é constantemente posto em causa na medida em que a sua actividade e as suas motivações se situam no exterior das preocupações do consumismo (são mesmo opostas a ele). Não admira, por isso, que ele encontre, para além das dificuldades da sua acção, uma objectiva falta de reconhecimento por parte do Poder e seja submetido, constantemente, a uma vasta campanha de desvalorização.
As críticas da acção dos dirigentes voluntários, esquecem que, entre nós, nunca foi definida uma autêntica política de desenvolvimento no interior da qual o desporto deveria ocupar o lugar que lhe deveria ter pertencido como forma de resposta às necessidades diferenciadas e evolutivas dos indivíduos (e não às necessidades de uma «procura» exclusivamente determinada pelos interesses do mercado). A contradição é clara quando afirmam que se deve ao esforço dos clubes desportivos o «desporto que temos» (com todas as contradições e «tropeções» que o caracterizam). Seria curioso ver o que aconteceria se a acção dos dirigentes e técnicos voluntários terminasse num país em que o Sistema Desportivo se caracteriza por graves distorções (ausência de um verdadeiro desporto escolar e da educação física no 1.º ciclo, sedentarismo generalizado, ausência de uma estrutura facilitadora da prática desportiva nas empresas, pobreza endémica de equipamentos desportivos de todo o tipo, etc.).
No fundo, esta visão afirma que, para sobreviver, o associativismo deve dar lugar a outras estruturas a que o dirigente se tem de adaptar. Por isso a competência gestionária e o conhecimento tecnológico, são apresentados sistematicamente como as falsas vias de «salvação».
Convém não simplificar a questão pensando que somente aqueles que se encontram marginalizados ou em ruptura com o sistema vigente é que se dispõem a desempenhar as funções «clássicas» do dirigente associativo. Não é assim, e a investigação feita sobre o assunto à escala europeia (excluindo Portugal que, como se sabe, nada investiga sobre esta questão) demonstra que a dedicação desinteressada do dirigente voluntário é desempenhada, fundamentalmente, por pessoas integradas na sociedade e não pelos excluídos.