Irracionalidades

Maurício Miguel

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À saída do Conselho Europeu em Bruxelas, Pedro Passos Coelho anunciou que pretende propor nos próximos dias a antecipação de «medidas essenciais, sobretudo na área da reforma estrutural [do Estado] e no pacote de privatizações». E mais não disse, afinal o segredo é a alma do negócio. Depois do lastro de privatizações deixado pelos anteriores governos, as opções são limitadas mas ainda assim importantes.

Alguém que pense já ter visto tudo, engana-se. O pacto de agressão assinado com a UE e o FMI pelo PS, PSD e CDS/PP poderá ser apenas o primeiro episódio de uma série ainda mais dura e dramática.

Em matéria de privatizações, entre o anunciado e o que restará, tudo será pouco para saciar o buraco sem fundo da dívida pública. O grande capital nacional e internacional ouve soar o sininho de que é chegada a hora de abocanhar parte importante de empresas criadas com muito suor, sangue e lágrimas pelo povo português.

Neste processo de desmontagem e venda a retalho da economia nacional talvez cheguemos às «privatizações de última geração», quem sabe se não mesmo à venda do Anticiclone dos Açores. Aqueles que pensam nisto como um perfeito disparate, não se precipitem, a ideia pode ter pernas para andar. Passo a explicar. Um anticiclone é, geralmente, sinónimo de bom tempo: céu limpo, calor ameno e nada de chuva. O negócio poderia trazer vantagens às partes, afinal não é todos os dias que se negoceia um anticiclone, mandando-o ir fazer bom tempo para outras bandas. A receita poderia ser importante. Não haveria preocupações directas com os milhares de despedimentos que foram gerados com a privatização de empresas ou com os preços, tarifas e comissões elevadíssimas que continuamos a pagar na energia, nas comunicações, transportes e nos serviços financeiros. E como um anticiclone não tem lucros, como tem uma parte significativa das empresas até agora privatizadas, ou listadas para o serem, perdendo o Estado receita, o negócio apenas poderia ter impacto positivo para o País. E na (i)racionalidade do governo existiria ainda um outro argumento: contrariar a tão bem conhecida tendência para a preguiça e improdutividade que o bom tempo provoca nos trabalhadores portugueses. Com menos matéria para trabalhar ficariam «economistas», «politólogos» e outros comentadores dos meios de comunicação social dominantes, que passam o tempo a invectivar os trabalhadores portugueses por serem uns sornas, uns malandros que não querem fazer nada, que faltam ao trabalho para ir para a praia e passam o tempo nas esplanadas. Isto para não falar da forma esbanjadora como vão para os centros comerciais ou supermercados gastar os ordenados chorudos que os patrões portugueses lhes pagam. E chegados ao Verão, quanto não se poderia poupar em meios de combate a incêndios, se os dias arrefecessem e chovesse muito mais regularmente? 

Imaginem o potencial de lucro para o capital que o investimento num anticiclone podia gerar, com os veraneantes a trocarem o nosso País por outras paragens. Imaginem as praias fluviais, piscinas e infra-estruturas de desportos aquáticos que se poderia construir por exemplo na Escandinávia ou no centro da Europa. E imagine-se o que seria o reforço do seu mercado interno, o consumo de águas, refrigerantes e gelados...

A contrariedade podia surgir da reivindicação de Espanha em ser compensada pelas evidentes perdas, já que o Anticiclone dos Açores é motivo do bom tempo também por lá. A maior dificuldade seria mesmo convencer o Anticiclone dos Açores a mudar-se de armas e bagagens para outro lado, talvez mais para Norte no Atlântico.

Não é verdade que o governo queira vender o Anticiclone dos Açores. Mas a ideia de vender o Anticiclone dos Açores é tão estapafúrdia como continuar a insistir na privatização do que resta do sector empresarial do Estado. Tanto mais quando é certo e sabido que as privatizações significam despedimentos, a perda de receita do Estado e da função de alavanca da economia do País, que algumas dessas empresas poderiam constituir. É pelo caminho oposto que deveríamos seguir, recuperando para o controlo público empresas e sectores fundamentais para o nosso desenvolvimento. Os problemas do País exigem-no. Acentua-se o desemprego, aumentam as dívidas, os défices, as dependências e as desigualdades. Inverter este caminho exige a ruptura e a mudança. O tempo continua a ser de luta. Não há outra forma.



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