Comentário

Notas de campanha

João Ferreira

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1. Numa so­ci­e­dade per­cor­rida por an­ta­go­nismos de classe, a farsa e a men­tira são ele­mentos in­dis­so­ciá­veis do fun­ci­o­na­mento da de­mo­cracia formal, tanto mais evi­dentes quanto mais pro­fundos forem esses an­ta­go­nismos. Não po­deria ser de outra forma. Os par­tidos que ac­tuam ao ser­viço dos in­te­resses mi­no­ri­tá­rios da classe do­mi­nante pre­cisam de um apoio elei­toral que vá muito além dessa es­treita (es­trei­tís­sima, em termos nu­mé­ricos) base so­cial de apoio. Por esta razão, ex­pressam pre­o­cu­pa­ções, afirmam in­ten­ções e fazem pro­messas que mais não visam do que ocultar a real na­tu­reza e con­sequên­cias da po­lí­tica que pra­ticam.

A con­quista e o exer­cício do poder po­lí­tico a favor dos in­te­resses de uma ín­fima mi­noria (e contra os in­te­resses da larga mai­oria) exigem a adesão de am­plas ca­madas da po­pu­lação (na­tu­ral­mente, de muitos dos que se in­cluem na larga mai­oria pre­ju­di­cada). Eis pois a ne­ces­si­dade im­pe­riosa da farsa e da men­tira. O exer­cício pro­lon­gado do poder ao ser­viço desses mesmos in­te­resses – ao longo de anos ou mesmo dé­cadas – exige que ambas sejam uma prá­tica rei­te­rada. Exige que se lancem nu­vens de fumo sobre o pas­sado; que se apague o rasto das con­sequên­cias desse exer­cício do poder; que se di­fi­culte a atri­buição de res­pon­sa­bi­li­dades. Mas exige também a al­ter­nância capaz de ali­mentar a ilusão de al­ter­na­tiva. Como exige es­forços de monta para apoucar, di­mi­nuir ou pura e sim­ples­mente ocultar as reais al­ter­na­tivas – as que põem em causa o poder e a in­fluência da classe do­mi­nante.

Por tudo isto, nas con­di­ções con­cretas em que hoje tra­vamos a nossa luta, ela não deixa de ser uma luta árdua e tenaz pela ver­dade, contra a farsa e a men­tira. Em cam­pa­nhas elei­to­rais como a que vi­vemos, ambas têm ex­pressão quo­ti­diana, por vezes gro­tesca: do cravo ver­melho er­guido por Paulo Portas às re­pe­tidas afir­ma­ções de José Só­crates em de­fesa do Ser­viço Na­ci­onal de Saúde e da Es­cola Pú­blica.

2. Com a cam­panha elei­toral a chegar ao fim, os que fi­zeram dela aquilo que qui­seram que ela fosse e os que pro­jec­taram dela a imagem que qui­seram pro­jectar la­mentam-se pela sua falta de con­teúdo, pela falta de de­bate po­lí­tico «sobre os pro­blemas do País». Cos­tu­meiros «se­na­dores» da praça e co­men­ta­dores en­car­tados en­tram em cena para la­mentar que os ata­ques pes­soais, as tricas e o es­pec­tá­culo do aces­sório te­nham to­mado o lugar do de­bate sério sobre a si­tu­ação do País e sobre as so­lu­ções para lhe fazer frente. Como sempre, metem tudo no mesmo saco. Como sempre, de­turpam e ocultam a acção de uns, para a con­fundir com a acção e o com­por­ta­mento de ou­tros. E va­ti­cinam (ou acon­se­lham...) uma ele­vada abs­tenção e a su­bida acen­tuada do voto em branco, «de pro­testo». Se muitos não se mos­tram já dis­postos a per­sistir no voto contra os seus in­te­resses então, pelo menos, que se abs­te­nham de qual­quer ati­tude con­se­quente com a de­fesa dos mesmos...

3. Pela cam­panha da CDU pas­saram factos e ar­gu­mentos; passou Por­tugal, a sua si­tu­ação e a sua evo­lução nas úl­timas três dé­cadas e meia; passou a União Eu­ro­peia – a sua na­tu­reza, ob­jec­tivos, evo­lução e o con­teúdo das suas po­lí­ticas; passou in­for­mação, muita in­for­mação, sobre o con­teúdo do me­mo­rando do FMI e da UE, as­si­nado por PS, PSD e CDS; pas­saram pro­postas para o País; passou o prestar de contas sobre o tra­balho feito nos úl­timos anos; pas­saram com­pro­missos fir­mados para o fu­turo; pas­saram a aná­lise ri­go­rosa da re­a­li­dade, o de­bate e a dis­cussão séria.

Pela cam­panha da CDU pas­saram os mais de 12 mil mi­lhões de euros de di­vi­dendos dis­tri­buídos aos ac­ci­o­nistas das em­presas do PSI-20 em 2010; pas­saram os 30 mil mi­lhões de euros de juros que o País vai pagar por um em­prés­timo de 78 mil mi­lhões (cerca de 40%, indo mais de dois terços para a UE, que nos dizem estar a ser «so­li­dária» con­nosco); passou o au­mento dos re­sul­tados ope­ra­ci­o­nais do FMI no pri­meiro tri­mestre de 2011 em 404 por cento, coin­ci­dente com a «ajuda» à Grécia e à Ir­landa; pas­saram as con­sequên­cias, quer na Grécia quer na Ir­landa, das mesmas me­didas que aqui querem im­ple­mentar.

Pela cam­panha da CDU passou a ne­ces­si­dade de re­ne­go­ci­ação ime­diata da dí­vida pú­blica, nos seus juros, prazos e mon­tantes; passou a de­fesa da pro­dução na­ci­onal e da va­lo­ri­zação do tra­balho; pas­saram pro­postas para es­ti­mular o cres­ci­mento eco­nó­mico e pro­mover o de­sen­vol­vi­mento, com uma dis­tri­buição mais justa da ri­queza criada; pas­saram me­didas de curto, de médio e de longo prazo; pas­saram res­postas de emer­gência à si­tu­ação do País e uma visão so­be­rana, ampla, de fu­turo.

Pela cam­panha da CDU pas­saram ra­zões de sobra para lu­tarmos, com con­fi­ança, por esse fu­turo.

 



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