A taxa
Tem sido muito falada nos dias mais recentes, os últimos da chamada pré-campanha, tal como provavelmente o será em todos ou quase todos os da campanha propriamente dita agora iniciada. Tornou-se, pois, famosa, tendo até surgido como inesperada vedeta de TV no decurso de mais de um debate, razão aliás porque está aqui, nestas colunas. Até se sussurra que foi por causa dela que o inimitável Catroga foi passar uns tempos ao Brasil, ainda que a explicação mais provável para a viagem seja outra: dinheiro abundante para pagar umas férias depois de alguns dias de trabalho intenso, convite endereçado por admiradores situados no outro lado do mar, pudor de ser visto por essas ruas depois do que se lhe ouviu na televisão, e não estou a falar de questões capilares. Mas voltemos ao que interessa, que é a Taxa Social Única, TSU para os íntimos e os amadores de siglas, que protagonizou muitos momentos «de esclarecimento» havidos recentemente, tendo sido motivo de discordâncias, polémicas, indecisões, arrufos. Convém saber que a Taxa Social Única, por muito única que seja não é tão una que não seja constituída por duas partes: uma que corresponde ao que os trabalhadores pagam mediante descontos nas suas remunerações, desse modo contribuindo directamente para a protecção social a que têm direito, e outra que é encargo patronal. Porém, chegados a este ponto, é preciso sublinhar que a contribuição patronal não é um acto de benemerência nem um favor concedido a quem trabalha: de facto é, isso sim, um complemento financeiro do salário ajustado, merecendo contabilização como custo da mão-de-obra a partir da sua contratação e como tal tendo de ser desde sempre entendido pelo empresariado empregador.
Uma outra forma de assalto
É claro que a Taxa Social Única é, como muitos outros, um custo da empresa. Não por se parecer com um generoso gesto de boa vontade, por ainda ser parente afastada da esmolinha que se dá para ajudar a quem precisa, mas por uma razão mais séria e determinante: porque o seu valor corresponde a uma parte do valor global gerado pelo trabalho prestado e, se este é vendido pelo trabalhador a quem o contratou, é justo que seja pago não apenas sob a forma de salário mas também sob a forma deste pagamento que completa a compra da força de trabalho. É certo que os amigos do patronato, ou os seus advogados encartados ou não, não gostam da TSU, mais um encargo empresarial que bem gostariam de eliminar. Tal como, é legítimo supô-lo, lhes agradaria ter energia gratuita, instalações majestosas e conseguidas a preços meramente simbólicos, coisas assim, apetitosas mas impossíveis. Acontece, porém, que a TSU lhes parece um alvo mais fácil, e é a partir dessa convicção talvez fundamentada pelas circunstâncias que começa uma espécie de caça à pobrezinha, à Taxa, não para eliminá-la totalmente, o que seria ambição excessiva, mas sim para a reduzir a uma dimensão tal que incomode pouco. Assim, vem a chamada troika e manda que lhe seja feito um desbaste significativo. Começam a surgir percentagens de redução: 4%, dizem uns, 3% dizem outros. Catroga, que não é de cerimónias, recomenda 8%. Parece um jogo, uma coisa de garotos ou de grandalhões a brincarem aos negócios, passatempo rendoso que continua a estar muito na moda. Mas não é: é um assalto. É um assalto porque, não o percamos de vista, a parte patronal da TSU é de facto um complemento da remuneração salarial paga de uma outra maneira, é dinheiro que pertence ao factor Trabalho na medida em que continua a ser remuneração laboral. Assim, reduzir a Taxa Social Única é de algum modo como cortar directamente nos salários embora dando menos nas vistas, e os 8% preconizados por Catroga devem ser avaliados segundo este entendimento, que é o entendimento justo. Porém, nem tudo é Catroga neste caso, há cumplicidades por acção ou omissão. Como acima se disse, muito falada tem sido a TSU, mas nunca dei por que alguma voz viesse dizer o fundamental: que, em boa verdade, o que paga a TSU, não apenas na parte descontada ao trabalhador mas também na parte empresarial, é o trabalho produzido e remunerado em duas fracções, o salário e a Taxa Social Única, esta destinada a que o trabalhador possa enfrentar certos custos no futuro. Não é complicado. Mas era fundamental dizê-lo.