Nada resolve e só agrava
Ainda antes de ser conhecido o pedido de assistência externa, em declaração política no Parlamento, o PCP insurgia-se contra tal cenário e deixava um aviso sério: «a política da recessão só agravará o problema económico, social e de financiamento do País».
Política recessiva agrava crise económica
Na sessão plenária que marcou o encerramento da Legislatura, fez ontem uma semana, a bancada comunista pela voz do seu presidente não poupou críticas à decisão governamental que viria a ser conhecida poucas horas depois, vendo nela um escancarar de portas para a imposição não só de medidas «absurdamente anti-sociais como altamente destrutivas da economia nacional e da indispensável criação de emprego».
Rejeitando que os chamados mecanismos de «ajuda» do FMI ou do Fundo Europeu possam realmente significar qualquer espécie de ajuda digna desse nome, Bernardino Soares entende que, pelo contrário, o que eles comportam é uma «dependência económica crescente, que os grandes grupos económicos agradecem», num processo que levará ao definhar da nossa produção e à «amputação da nossa soberania».
E nem sequer o problema dos juros resolve, como de resto a Grécia e a Irlanda o comprova, sustentou o presidente do Grupo comunista, que expressou ainda a convicção de que existem outros caminhos para a questão do financiamento.
Assim haja «vontade política», uma perspectiva séria de «defesa dos interesses nacionais» e a defesa no quadro da União Europeia de «uma intervenção decidida no sentido de pôr fim à especulação sobre as dívidas soberanas».
Estejam tais pressupostos preenchidos e a «entrada do FMI nada tem de inevitável», afirmou Bernardino Soares.
Depois de elencar uma série de medidas apresentadas na véspera pelo PCP com vista à resolução do problema da dívida e do financiamento (ver caixa nesta página e edição do Avante! da semana transacta), e de ter enfatizado a ideia de que não se resolve o problema da dívida pública «sem a inversão da política económica» – «não há solução para a crise financeira do Estado» sem o aumento da produção nacional em ordem a criar mais riqueza, gerar emprego e reduzir a dependência do País, observou – , o deputado comunista advertiu por fim que «não é com uma política recessiva que se resolve a crise económica», como aliás têm defendido economistas de vários quadrantes, caso de Paul Krugman em artigo recente que, curiosamente, anotou, tem sido muito ignorado «pelos economistas do discurso oficial no nosso País».
Banca, essa coitadinha...
Alvo de acesa crítica do líder parlamentar comunista foi também o comportamento dos banqueiros nacionais que, por estes dias, não se coibiram de pôr as «garras de fora» e mostrar quem é que verdadeiramente manda e mexe os cordelinhos.
O anúncio pelos maiores bancos de que não emprestariam mais dinheiro ao Estado, do ponto de vista de Bernardino Soares, o que traduz é uma «clara e descarada cartelização». Ainda por cima, acrescentou, «foi combinada, pasme-se, numa reunião com o Banco de Portugal, o regulador do sector financeiro».
Foi com visível indignação que o presidente da formação comunista reagiu também à decisão assumida na passada semana pelos banqueiros de que estava na hora de pedir uma ajuda de emergência à UE ou ao FMI, anúncio feito com a «pesporrência de quem está habituado a mandar nos governantes». Visadas, em particular, foram as palavras de Ricardo Salgado a um canal de televisão, quando este afirmou que «os bancos já não se podem sacrificar mais».
«A banca portuguesa, coitadinha, não pode fazer mais sacrifícios», ironizou, depois de antes ter lembrado que foram esses mesmos bancos que receberam «milhares de milhões do erário público em financiamento e em avales» ou que pagam «taxas baixíssimas de impostos, mesmo com altíssimos lucros».
Os mesmos bancos, prosseguiu, que enchem «os cofres com parcerias público privadas que são um esbulho a todos os portugueses» e que beneficiaram das medidas do Governo de «ataque aos certificados de aforro, encaixando milhares de milhões nos seus produtos de poupança».
A mesma banca, exemplificou ainda, que se financia a um por cento junto do Banco Central Europeu (BCE) e que depois empresta dinheiro ao Estado a cinco ou a seis por cento.
Verberado por Bernardino Soares foi também o chamado «governo de salvação nacional», com uma «maioria parlamentar reforçada», apontado pelos bancos como o caminho a seguir ao PS, PSD e CDS/PP.
«Mais não seria do que um governo de salvação do grande capital e da política de direita que o tem servido ao longo das últimas décadas enquanto o país empobrece», esclareceu o deputado do PCP, seguro de que tal hipótese significaria «continuar a andar para trás» quando o que o povo exige e o País precisa é de «andar para a frente».
Pedido de assistência externa
Dia negro
«Uma decisão da maior gravidade para o País», assim classificou Bernardino Soares o pedido de assistência financeira à Comissão Europeia, anunciado pelo primeiro-ministro no mesmo dia em que encerraram os trabalhos parlamentares.
Lembrando que os problemas vêm de há muito e que a situação presente não é consequência da rejeição do chamado PEC IV, o líder parlamentar comunista, que falava aos jornalistas poucas horas depois da sua declaração política da tribuna da AR, considerou que o primeiro-ministro e o PS têm «seríssimas responsabilidades na situação a que o País chegou».
Não deixa aliás de ser «curioso», em sua opinião, que José Sócrates não só tenha procurado demarcar-se «das causas desta situação pelas quais é responsável», como, simultaneamente, tenha ignorado por completo as consequências.
«Não explicou que medidas é que o Governo admite vir aceitar como contrapartida de uma eventual ajuda financeira da União Europeia. Não explicou o que é que vão querer impor mais aos portugueses, o que é que vão querer cortar ainda mais nas pensões e nos salários, que medidas ainda mais recessivas vão aplicar», assinalou.
Bernardino Soares voltou ainda a insistir na ideia de que é possível e desejável uma outra solução, com «propostas diferentes que não fossem de submissão à União Europeia e à especulação financeira».
Propostas, insistiu em especificar, que passam pela renegociação da dívida, pela diversificação das fontes de financiamento e por uma outra atitude na União Europeia exigindo um papel diferente do Banco Central Europeu.
Também o deputado comunista Agostinho Lopes, em declarações aos jornalistas no Parlamento no mesmo dia, não teve dúvidas em afirmar que o pedido de ajuda externa não resolverá os problemas nem é solução.
«Isto não é uma solução, não é uma ajuda, é um absurdo dizer que isto vai resolver os problemas da dívida externa, depois da experiência da Grécia e da Irlanda», afirmou.
Ainda segundo Agostinho Lopes, a «dramatização» desenvolvida fez ontem oito dias em torno dos resultados do leilão da dívida pública visou claramente «esse objectivo de suportar este pedido de “ajuda”».
«Podemos dizer face àquilo que disseram os banqueiros estes dias, que os banqueiros mandam e o Governo obedece», acrescentou, convicto de que «há outro caminho».
Rumo alternativo
A renegociação imediata da dívida pública portuguesa, pondo em cima de mesa a reavaliação dos prazos, das taxas de juro e dos montantes a pagar, constitui uma das medidas que integra o quadro de propostas apresentado na passada semana pelo PCP em alternativa às orientações seguidas pelo Governo PS, com o apoio do PSD e do CDS/PP.
Esta renegociação é afinal um processo que já ocorreu noutros «momentos da história do nosso e de outros países», como bem lembrou Bernardino Soares na sessão plenária que fechou a Legislatura.
Trata-se de «libertar recursos» que devem ser canalizados para o crescimento económico e para a criação de emprego, «em vez de os esgotar no pagamento do serviço da dívida».
Uma segunda grande linha de trabalho, na perspectiva do PCP, passa pela intervenção de forma concertada junto de outros países com problemas similares de dívida para que exista uma acção convergente que ponha fim à espiral da especulação e exija a revisão do estatuto e dos objectivos do Banco Central Europeu
A diversificação das fontes de financiamento, apostando nomeadamente de forma decisiva na poupança nacional e em relações bilaterais com outros países, constitui um terceiro grande vector do conjunto coerente e articulado de propostas defendido pelo PCP.