Tudo tem limites
Como ponto prévio, importa pegar na tese geral da teoria dominante e dizer que os militares e a Instituição Militar não podem estar à margem do esforço de contenção. Bem sabemos que essa é uma tese falsa; bem sabemos que há uma minoria intocável e uma maioria fortemente penalizada pelas medidas. Sabemos até, no caso dos militares, que a expressão concreta das medidas é diferente para um general ou para um 1.º sargento ou um soldado e que, sob uma aparente capa de equidade, não é o mesmo cortar 400 euros a um general ou 80 euros a um cabo ou 200 euros a um sargento, com vantagem para o general. Portanto, não há lugar a equívocos.
Mas este ponto prévio vem a propósito da decisão governamental de promover uma acção inspectiva da Inspecção Geral de Finanças (IGF) ao Estado Maior General das Forças Armadas, aos três ramos e aos Serviços Centrais de Suporte do MDN, com incidência nas remunerações e suplementos remuneratórios, promoções e graduações, quadros de pessoal e situações do pessoal, em especial no que respeita a vagas que tenham sido invocadas para a realização de promoções, entre outro conjunto de aspectos. É expressamente determinado, ainda, a suspensão da apreciação de todos os pedidos de parecer prévio submetidos pelos Ramos e está vedado, até à conclusão desta inspecção, quaisquer actos que consubstanciem valorizações remuneratórias.
A entrada da IGF pelas Forças Armadas dentro, com objectivos como aqueles que são referidos, é coisa nunca vista. Poder-se-á dizer: mas as forças armadas estão acima da verificação do cumprimento da legalidade? Claro que não. Aliás, há dezenas de incumprimentos de leis por parte de sucessivos governos, denunciadas pelos próprios militares e as suas estruturas associativas, que até editaram um livro exactamente com esse título e o fizeram chegar aos órgãos de soberania. Seria mesmo útil que a IGF e outros poderes públicos, pegassem nesse livro e adoptassem as medidas correctivas, sugerindo-se, para o efeito, que contactem com o Ten/General Silvestre Santos que, por certo, estará disponível para prestar todos os esclarecimentos. Sabemos que isso não acontecerá, porque o objectivo é ver onde podem ir cortar mais nos direitos dos militares. Mas, independentemente deste aspecto, sobra a questão dos termos usados, que colocam sob suspeita as próprias forças armadas – será que promoveram devidamente ou indevidamente? Não terão usado uns expedientes para promover ou para graduar? Não terão invocado falsas vagas para justificar tal ou tal promoção? Será que estão a pagar tal ou tal subsídio de acordo com a lei? Hum…
Subserviência e negócios
O que pensarão sobre isto os militares dos serviços de finanças? O que pensarão sobre isto os militares das repartições de pessoal? E o que pensarão os muitos militares lesados, ano após ano, por incumprimento de leis por parte do Governo ou por despachos interpretativos dados por este e que agora estão perante o risco sério e evidente de determinações de corte puro e simples? E os que, perante tal ou tal despacho interpretativo, optaram por dar um determinado rumo às suas vidas e que agora podem ver alteradas as regras? Não se diga que se trata de elucubrações, porque isso já hoje está acontecer, por exemplo, com os militares em missões externas que viram alteradas as regras, com um corte de 10 por cento no respectivo subsídio.
Ora, o mínimo que se pode dizer é que isto é indecente! E mais indecente é se tivermos presente que este despacho tem duas assinaturas, a saber: a do ministro Teixeira dos Santos e a do ministro da Defesa Santos Silva que se reconhece, portanto, nos termos utilizados. Não que nos espante, tendo presente o seu conquistado cognome de malhador, talvez pelas razões de que dá conta o revelado, pela Wikileaks, informe do embaixador dos EUA, sobre um complexo de inferioridade que grassará pelos governos portugueses. Para nós, não é complexo nenhum, é mesmo uma reverendíssima subserviência e negócios. Fiquemos, pois, a aguardar os próximos folhetins desta triste novela, certos de que os militares, coesos na afirmação da sua dignidade e direitos, hão-de dizer que tudo tem limites e que exigem respeito.