«Estados»

Henrique Custódio

A ofensiva do Governo PS na execução dos ditames do Orçamento avança com implacável minúcia e em todas as «frentes», ao mesmo tempo que a liderança socrática, de prócere maneirando à frente, vai-se já precavendo para as prováveis eleições antecipadas e decorrentes demagogias, ensaiando a rábula do «Estado Social» à moda do PS – um «Estado Social» que se defende, desmantelando-se à peça.

Assim, esta semana a «defesa do Estado Social» à moda do PS deu mais uns passos concretos: de uma assentada, 83 mil pessoas perdem, a partir de Fevereiro, as prestações sociais que recebiam (por não terem apresentado «prova de rendimentos»), enquanto outras 823 mil sofrerão cortes no que ainda auferem dessas prestações. Concomitantemente, 750 estudantes cancelaram as suas inscrições nas universidades do Porto e de Coimbra e mais 500 na Universidade do Minho (isto para já, pois muitos outros virão à desistência), tudo por causa do corte nas bolsas aplicado desde o início do ano, enquanto é ordenado às câmaras municipais que cessem de subsidiar os serviços sociais criados pelos trabalhadores autárquicos, sob o pretexto de não haver «acumulação de benefícios» (no socrático entendimento de que a ADSE chega e sobra para estes funcionários). Para rematar em coerência, o Governo decidiu ainda – por «razões orçamentais», tá bem de ver – desistir da criação dos prometidos novos centros de emprego nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. Faz todo o sentido: enquanto o desemprego sobe a galope, há que diminuir os centros oficiais para atender as suas vítimas.

Do outro lado da moeda – porque PS e PSD ocupam os dois lados da «má moeda» que há mais de três décadas desgoverna o País – agita-se também o PSD e até o CDS, de novo salivando com a possibilidade do regresso ao poder.

E é vê-los, hirtos e solenes, depositando gravidades aos microfones enquanto as gravatas de seda rutilam elegâncias. As tribunas e os palanques alargam-se e elevam-se e, sobre eles, a pose é já de estadista: olhos no infinito, o perfil apontando aos céus, tudo e todos prontos para o serviço. À pátria.

Foi assim que também vimos Passos Coelho esta semana a perorar numas «jornadas» quaisquer do PSD e, como de costume sempre que abre a boca a presumir teorias, deu logo asneira da grossa ao decretar que «as empresas públicas que dão prejuízos crónicos»... devem fechar. O homem está tão obcecado em acabar com o «social» no País que nem lhe ocorreu haver serviços públicos que não se medem aos preços – são estratégicos, por definição... e dimensão, como é superlativamente óbvio nos casos dos transportes ou comunicações, da saúde ou da educação.

Para mitigar esta argolada do «chefe», o líder parlamentar do PSD, Miguel Macedo, contra-atacou dando-se ao luxo de acusar José Sócrates de ser «insensível ao drama das pessoas» e de estar «a matar o Estado social».

Portanto, o descaramento já chegou a estes absurdos: de um lado, o PSD a acusar o PS de «destruir o Estado social» (o que é verdade) e, do outro, o PS a acusar o PSD de «querer destruir o Estado social» (o que também é verdade), para que o próprio PS possa continuar a ser ele... a destruí-lo.

Enfim, «estados». De alma.



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