O dirigente desportivo voluntário e a militância associativa

A. Mello de Carvalho

Com o objectivo de esclarecer melhor quem é (institucionalmente falando) o dirigente associativo voluntário convém cotejar o dirigente benévolo com outras situações. Por ex., com a do profissional que também actua no interior do clube. Neste segundo caso estamos na presença de uma profissão com uma competência bem definida. No contexto da controvérsia actual é importante acentuar bem a diferença de situações.

Enquanto o dirigente voluntário, desempenhando as suas funções de modo benévolo, possui uma competência inerente ao cargo (que é de natureza essencialmente política e legitimada pela eleição dos sócios), no caso do profissional a competência resulta da aquisição de saberes práticos ou teóricos e científicos, e possui um estatuto próprio definidor de direitos e regalias. Portanto só existirá profissionalização quando existir uma competência específica, quer seja adquirida pela experiência, quer pela aquisição de conhecimentos comprovada por diploma escolar. O que significa que profissional e assalariado não são noções que se possam sobrepor, ao contrário do que, habitualmente, se pensa. (Profissional = pessoa que exerce uma actividade como profissão; assalariado = que recebe salário; empregado).

Uma outra perspectiva que interessa abordar refere-se ao cotejo entre o dirigente e o militante. Em termos gerais este pode ser definido como aquele que junta os seus esforços a outras pessoas com a finalidade de organizar o clube de acordo com os valores que considera serem correctos. (Militante = que luta, que se opõe).

De qualquer forma ser dirigente benévolo não significa ser militante, pois esta última perspectiva só pode ser entendida no seu sentido mais genérico. Especialmente quando se toma em consideração muitos dos dirigentes desportivos que se integram exclusivamente numa lógica especializada da reprodução do campeão, é possível verificar o fosso que se cava entre a visão tecnocrática e a do militante.

Em termos do desporto o problema coloca-se de uma forma especial. Torna-se muito difícil pensar na sua democratização real quando o dirigente benévolo «popular» não é um militante ou só o é inconscientemente. Ou seja, quando não possui um projecto global que o impeça de cair na posição tecnocrática em que se limita a reproduzir os valores dominantes da sociedade de consumo (competição desenfreada, alta competição como factor que tudo determina, profissionalismo sem regras nem limites, etc.). Para o dirigente assumidamente «militante» o que acima de tudo interessa, é conceber o desporto como uma actividade capaz de responder a necessidades concretas do ser humano.

Dirigente «é a pessoa que dirige». Mas «dirigir» é um conceito que se pode exercer em diferentes contextos. O defensor da mercantilização do desporto, disfarçado na terminologia da «engenharia económica» em voga, colocará as seguintes questões: que dirigentes interessam? Qual a sua categoria e nível de formação?

Seja como for, convém referir a definição do dirigente benévolo (voluntário) às suas diferentes asserções, com a finalidade de clarificar ainda melhor o seu significado. Por exemplo, a sua valorização não pode ser entendida como uma forma de quantificação económica. Não se trata de encontrar argumentação que defenda a situação do «voluntariado da miséria», promovendo o preenchimento de lugares e de funções que deveriam ser desempenhadas por profissionais. De facto, encontra-se com demasiada frequência a opinião de que só existem dirigentes desportivos voluntários porque não há meios financeiros suficientes para lhes pagar. Trata-se de uma perspectiva completamente errada que não toma em consideração dois aspectos complementares: em 1.º lugar os dirigentes voluntários são muito mais numerosos precisamente nos países mais ricos, e em 2.º lugar recusa-se o valor ético, socializante e de estruturação da cidadania que eles assumem na construção e vitalização da democracia participativa.

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