O faz-de-conta

Henrique Custódio

Foi esta semana notícia de primeira página no Público: «A geração mais qualificada de sempre está a deixar o País». E explicava-se na entrada: «Nunca houve tantos licenciados em Portugal. E nunca foi tão difícil para os jovens encontrar emprego. Num cenário de “défice democrático” no mundo laboral, os melhores são os que arriscam sair do país».

Anote-se que, sendo o ensino público e a formação académica investimentos vultosos em qualquer país, realizá-los para depois os entregar a terceiros é um absurdo. Sangrar assim um país, mergulhado na crise, dos quadros mais qualificados da nova geração, é uma estupidez política de colossal dimensão.

É, todavia, o que há quase três décadas andam a fazer as luminárias que se têm repoltreado, à vez, na condução dos «destinos da pátria».

Durante o fascismo, o ensino público era básico e a formação superior um luxo, apenas ao alcance de bolsas recheadas ou de investimentos familiares polvilhados de sacrifício. Com a Revolução de Abril foram lançadas as bases do ensino geral, universal e gratuito – direito constitucionalmente garantido – o acesso à formação secundária universalizou-se e a formação universitária democratizou-se, disponibilizando-se-lhes meios adequados.

Todavia, cedo a ofensiva contra o Ensino democrático foi emergindo governos fora, a par, aliás, com os ataques concertados às chamadas conquistas de Abril. Paulatinamente, os sucessivos executivos (sempre do PS ou do PSD) foram socavando os alicerces do Ensino democrático, primeiro emagrecendo verbas e investimentos em edifícios, equipamentos, apoios e pessoal especializado, depois transferindo competências para as autarquias (que presentemente arcam com o grosso das despesas do Ensino Básico) e impondo propinas cada vez mais incomportáveis

Tudo isto num «faz-de-conta» sempre a impingir a ideia de que cada nova «reforma» vinha «melhorar o sistema» e «optimizar os recursos» do Ensino em Portugal. Os governos de Sócrates deram a machada mais contundente, desarticulando e descredibilizando a carreira docente, desagregando a gestão democrática, burocratizando ao absurdo o trabalho pedagógico, instaurando processos de avaliação que deixaram de rastos a credibilidade dos resultados escolares. O que, aliás, está em linha com um primeiro-ministro que exibe uma licenciatura tirada ao domingo e numa universidade que acabou extinta por notória e generalizada trafulhice.

Aliás, o «faz-de-conta» tornou-se uma técnica obrigatória na arte da governança em Portugal: os ataques generalizados aos direitos sociais conquistados com a revolução de Abril sempre se concretizaram embrulhados num «faz-de-conta» afirmando ir «melhorar o sistema» e «optimizar os recursos».

O resultado está à vista: neste faz-de-conta permanente, em 30 anos esta gentinha entregou de novo as alavancas do poder económico à gula do grande capital e instalou no País a pobreza quase generalizada, a par do maior desnível da UE entre ricos e pobres.

Num quadro assim, até os licenciados emigram.

Entretanto, Sócrates e quejandos continuam a fazer de conta que está tudo bem. Até lhes mostrarem que está tudo mal.



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