Paz sim! Nato não!

Ângelo Alves

O que a NATO con­sumou em Lisboa foi acima de tudo uma «fuga para a frente»

As con­clu­sões da Ci­meira da NATO de Lisboa cons­ti­tuem uma ver­da­deira de­cla­ração de guerra e in­ge­rência contra todos os povos e na­ções do Mundo. Após Lisboa a NATO con­firma-se como uma ali­ança mi­litar ofen­siva global, uma «ali­ança mi­litar nu­clear» (1) de­ter­mi­nada a in­tervir rá­pida e mas­si­va­mente em qual­quer parte do Mundo, em qual­quer mo­mento e sob qual­quer pre­texto, afir­mando ter «o único e ro­busto con­junto de ca­pa­ci­dades po­lí­ticas e mi­li­tares capaz de lidar com todo o tipo de crises - antes, du­rante e após os con­flitos».

Numa in­qui­e­tante ameaça global a NATO afirma que «é afec­tada, e pode afectar, de­sen­vol­vi­mentos po­lí­ticos e de se­gu­rança para lá das suas fron­teiras» e que por­tanto se irá «en­volver ac­ti­va­mente para me­lhorar a se­gu­rança in­ter­na­ci­onal, através de par­ce­rias com países re­le­vantes e ou­tras or­ga­ni­za­ções in­ter­na­ci­o­nais». Uma afir­mação que blin­dada na re­tó­rica da Or­ga­ni­zação re­vela dois ob­jec­tivos: por um lado auto-afirmar-se como uma es­pécie de «centro ema­nador» de onde ir­ra­diam re­la­ções de de­pen­dência que per­mitam a pre­sença, pressão e in­ter­venção das suas forças em todo o Globo e por outro, apro­fundar o ca­minho do in­ter­ven­ci­o­nismo e da fusão entre se­gu­rança in­ter­na­ci­onal e se­gu­rança in­terna dos Es­tados, vi­sando assim a des­truição do Di­reito In­ter­na­ci­onal, numa afronta di­recta ao papel da Or­ga­ni­zação das Na­ções Unidas na abor­dagem das ques­tões da se­gu­rança in­ter­na­ci­onal.


C
oman­dada por uma po­tência em ace­le­rado de­clínio eco­nó­mico – os EUA -, não isenta de con­tra­di­ções no seu seio e ato­lada no pân­tano mi­litar do Afe­ga­nistão - que é a sua «prova de vida» – o que a NATO con­sumou em Lisboa foi acima de tudo uma «fuga para a frente

Para manter o seu prin­cipal ob­jec­tivo - es­tender o do­mínio do im­pe­ri­a­lismo a todo o globo através da força – a NATO deixa de se li­mitar ao dis­curso es­tri­ta­mente mi­litar e geo-es­tra­té­gico e avança na ten­ta­tiva de mi­li­ta­ri­zação de toda a si­tu­ação in­ter­na­ci­onal. Para tal de­fine um in­fin­dável con­junto de «ameças» desde o «ini­migo» clás­sico da ac­tu­a­li­dade, o «ter­ro­rismo», até ques­tões como «trá­fico de armas e pes­soas e o narco-trá­fico»; os «ata­ques in­for­má­ticos»; a se­gu­rança das «rotas de co­mércio, ener­gé­ticas e de trân­sito», das «fontes ener­gé­ticas» e das «co­mu­ni­ca­ções» ou ainda os «cons­tran­gi­mentos na área dos re­cursos na­tu­rais e am­bi­en­tais», par­ti­cu­la­ri­zando ques­tões como a «es­cassez de água» e as «mu­danças cli­má­ticas». Ou seja, no fundo a NATO pro­mete atirar a tudo o que mexe em todo o lado.

 

Para tal for­ta­lece o seu pilar eu­ropeu - a União Eu­ro­peia - «um par­ceiro único e es­sen­cial da NATO»e por­tanto um bloco po­lí­tico-mi­litar; re­a­firma a es­tra­tégia de alar­ga­mento a Leste; avança no ob­jec­tivo de cons­truir uma «ver­da­deira par­ceria es­tra­tégia entre a NATO e a Rússia» e por fim afirma que «deve ter os re­cursos su­fi­ci­entes – fi­nan­ceiros, mi­li­tares e hu­manos – para levar a cabo as suas mis­sões», ou seja, dos gastos mi­li­tares e de­sen­vol­vi­mento e mo­der­ni­zação da in­dús­tria da morte.

A NATO que sai de Lisboa é assim, maior, mais po­de­rosa, mais cri­mi­nosa, pe­ri­gosa e dis­si­mu­lada. Mas se a ameaça é grande a res­posta do povo por­tu­guês também o foi. Fomos muitos mais de 30 00 a des­filar na Ave­nida da Li­ber­dade. Vindos de todo o País e de vá­rias partes do mundo, des­fi­lámos com as nossas cores, a nossa de­ter­mi­nação, com­ba­ti­vi­dade e se­re­ni­dade, ca­rac­te­rís­ticas de quem de­fende prin­cí­pios e tem uma pers­pec­tiva larga e res­pon­sável do que sig­ni­fica sair à rua em luta contra a ex­plo­ração e a opressão do im­pe­ri­a­lismo.

__________________

(1) Todas as ci­ta­ções deste ar­tigo são re­fe­rentes ao «Con­ceito Es­tra­té­gico para a de­fesa e se­gu­rança dos mem­bros da Or­ga­ni­zação do Tra­tado Atlân­tico Norte»



Mais artigos de: Opinião

O faz-de-conta

Foi esta semana notícia de primeira página no Público: «A geração mais qualificada de sempre está a deixar o País». E explicava-se na entrada: «Nunca houve tantos licenciados em Portugal. E nunca foi tão difícil para os jovens encontrar...

Uma luta que não se deixa esconder

Outra coisa não se esperaria da parte da comunicação social dominante e dominada, mas mal estaria a nossa consciência se perdêssemos a capacidade de indignação perante o tipo de abordagem noticiosa que foi realizada nos últimos dias, seja a propósito da...

SIED – demissão e fusão anunciada

Os Serviços de Informações estão de volta à notícia dos escândalos e conspirações. A coligação negativa PS-PSD-CDS, que há três décadas funciona para impedir a conformação dos serviços ao regime...

Esqueletos

Na conferência subordinada ao tema «Ainda vale a pena investir em Portugal?», realizada esta semana na Universidade Católica, Belmiro de Azevedo (BA) falou da situação do País e das «consequências sociais imprevisíveis» que daí podem advir,...

«A luta continua!»

Podem es­crever e dizer o que qui­serem; podem até dizer que não há à luta ou que lutar não vale a pena; podem ocultar, des­vir­tuar o valor dessa luta – mas o que não podem nem con­se­guem es­conder é que ela existe e está aí com toda a sua pu­jança ex­pri­mindo as con­tra­di­ções de in­te­resses entre aqueles que tra­ba­lham e pro­duzem a ri­queza e aqueles que, donos dos meios de pro­dução e da alta fi­nança, se apro­priam de forma es­can­da­losa do valor do tra­balho.