A continuação do uribismo
«No fundamental, o governo de Juan Manuel Santos será a continuação do uribismo», disse Carlos Lozano ao órgão central do PCP em conversa mantida durante a Festa do Avante!. Os acontecimentos mais recentes confirmam a lucidez das palavras do membro do Bureau Político do Partido Comunista Colombiano (PCC).
«O exercício violento do poder está enraizado no regime»
Três meses depois de ter tomado posse, o governo de Juan Manuel Santos confirma-se como a continuação do regime de terror imposto pelo ex-presidente Álvaro Uribe.
De acordo com os dados apresentados recentemente por um grupo multidisciplinar junto da Comissão Interamericana para os Direitos Humanos, só durante os primeiros 75 dias de mandato do novo presidente, 22 activistas políticos e sociais, um jornalista e um juiz foram assassinados no país.
Nos últimos dias, estas cifras avolumaram-se com o assassinato de uma professora e filiada sindical do Valle de Cauca e de um trabalhador mineiro. No município de Tame, organizações locais acusam o batalhão de contra-guerrilhas ali estacionado de ser responsável pela violação e morte de três crianças.
Os acontecimentos dão razão à análise feita por Carlos Lozano, director do semanário Voz e membro dos organismos executivos do PCC. Em conversa durante a Festa do Avante!, Lozano sublinhava que «apesar da aparente mudança no estilo de governação, da projecção inicial de uma imagem menos agressiva e mais disposta ao diálogo, entendemos que, no fundamental, o governo de Juan Manuel Santos será a continuação do uribismo».
No testemunho recolhido pelo Avante!, o dirigente insistia ainda que «a crise humanitária e de direitos humanos que se vive na Colômbia está relacionada com o exercício violento do poder, conduta que se agravou durante os dois mandatos de Uribe e parece vir a prolongar-se no executivo constituído pelo seu sucessor».
Apesar de alguns sectores de esquerda e democráticos da Colômbia pretenderem dar o benefício da dúvida ao novo chefe de Estado, os comunistas e os seus aliados mais sólidos não anteviam alterações substantivas «na chamada política de segurança democrática, nas soluções militares e, muito menos, na política económica e social de cariz neoliberal» que, ao longo de décadas, tem sido seguida «em benefício dos interesses da grande burguesia nacional e estrangeira e do capital financeiro».
Lozano sustentou a sua afirmação na proposta capciosa já então endereçada por Santos ao movimento sindical. O presidente apelou à concertação entre patrões e representantes dos trabalhadores dizendo querer alcançar a paz social e «promover a confiança dos investidores estrangeiros», mas o verdadeiro objectivo de Santos é paralisar a acção reivindicativa, acusou.
«Para o presidente, atrair os investimentos estrangeiros significa retirar direitos aos trabalhadores e afectar a acção sindical para que as grandes multinacionais, o grande capital nacional e internacional, não tenham que confrontar-se com a oposição dos trabalhadores», explicou.
Reforçar a luta e a unidade
Ao contrário do que pretendia Juan Manuel Santos, a CUT (maior central sindical do país) recusou o presente envenenado e propôs às organizações filiadas uma agenda de iniciativas que retoma a luta de massas, colocando em marcha um plano estratégico para o final do ano de 2010 e para o ano de 2011.
No âmbito do movimento rural, camponeses e indígenas decidiram, no passado mês de Outubro, não pactuar com a política neoliberal e denunciar os Tratados de Livre Comércio assinados entre a Colômbia, os vizinhos da América do Norte e a União Europeia.
Se forem implementados «os TLC’s deixam ainda mais vulneráveis os camponeses colombianos, que não recebem qualquer tipo de subsídio por parte do Estado», afirmou na altura Carlos Lozano.
Como disse ao Avante! o director do Voz, o caminho para garantir uma alternativa democrática na Colômbia é o da luta de massas, do fortalecimento da unidade popular em torno do Pólo Democrático Alternativo.
Solução política
Na ordem do dia na Colômbia continua, igualmente, o conflito armado que devasta o país há cerca de meio século. A recente destituição da senadora Piedad Córdoba pelo parlamento colombiano não augura passos positivos.
Mandatada pelo governo, Córdoba empenhou-se nos últimos anos no intercâmbio humanitário entre as partes em conflito, procurando, por essa via, promover um clima de diálogo que abrisse caminho às conversações de paz.
As autoridades judiciais entenderam que a senadora ultrapassou as suas competências e acusaram-na de vínculos com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.
Ainda que os acontecimentos precedentes tenham deixado clara a posição belicosa do regime de terrorismo de Estado liderado por Álvaro Uribe, a decisão consubstancia um retrocesso na conquista de uma solução pacífica no país, orientação que o Partido Comunista Colombiano tem vindo a defender com determinação.
«Não existe outra alternativa. Nós, comunistas, que somos humanistas por excelência, defendemos intransigentemente uma saída política e negociada para o conflito armado. As forças guerrilheiras que se manifestem favoráveis a um processo de paz têm de ter um espaço para tal, mas da parte do governo também têm de ser garantidos compromissos que indiquem a vontade de concretizar as necessárias mudanças democráticas».
Alterações qualitativas que se prendem, igualmente, com as orientações económicas e sociais no país, acrescentou Lozano, pois o conflito que ali se desenrola tem raízes profundas na injustiça social, na exploração e na rapina de recursos promovida pela oligarquia dominante, apoiada pelo imperialismo.
Contra a cimeira da NATO
Na conversa com o Avante!, Carlos Lozano abordou ainda a cimeira da NATO que se realizará em Lisboa nos próximos dias 19 e 20 de Novembro. A Colômbia, referiu, é uma das raras nações que, na América Latina, contraria a tendência geral de adesão a processos progressistas, soberanos e anti-imperialistas em curso.
«Nós, como vítimas da política imperialista, da presença norte-americana e da sua ingerência, não vemos com bons olhos a cimeira da NATO em Lisboa e os seus objectivos.
«Seguramente, o que se procura com a alteração do conceito estratégico da Aliança Atlântica não é a resolução dos conflitos pelo diálogo e pela negociação, mas, ao contrário, o reforço das políticas imperialistas de ameaça e agressão aos povos. Por isso, os objectivos da cimeira que vai decorrer no vosso país levantam-nos igualmente justas preocupações, e assim unimo-nos ao PCP que está a denunciar que esta cimeira não contribui para a paz».
Alguns números sobre a Colômbia
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Em 2010, já foram assassinados 37 sindicalistas. 201 foram ameaçados, 5 encontram-se desaparecidos, 1 foi detido e 20 foram alvo de atentados. Cerca de 60 por cento dos sindicalistas assassinados no mundo são colombianos.
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Estima-se que nos últimos 3 anos o total de desaparecidos em resultado do terrorismo de Estado supere os 38 mil indivíduos.
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68 por cento da população da Colômbia (28 milhões de pessoas) vive na pobreza, sendo o território um dos mais desiguais do mundo. Um só banqueiro controla 42 por cento do crédito nacional.
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Segundo a Unicef, todos os anos mais de 20 mil crianças menores de 5 anos morrem de desnutrição. 80 por cento das gestantes deslocadas em resultado da expulsão das suas terras padecem de desnutrição crónica. O total dos deslocados internos supera os sete milhões.
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10 mil hectares de terra foram roubados aos camponeses e entregues ao grande latifúndio e aos comandantes paramilitares.
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A maior vala comum da América Latina foi encontrada na Colômbia. Suspeita-se que muitos dos mais de 2 mil cadáveres ali depositados sejam de jovens aliciados para trabalhar e, posteriormente, executados pelo exército e apresentados à comunicação social como se de guerrilheiros das FARC se tratasse.
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Estima-se que, em 15 anos, os paramiliatares tenham executado mais de 30 mil pessoas. A justiça recebeu quase 4 mil denúncias de valas comuns. Está provado o uso de fornos crematórios por parte dos paramilitares.
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Na Colômbia existem mais de 7500 presos políticos.