Caridade solidária

Um beco nas avenidas da banca – I

Jorge Messias

Os caminhos da direita são os da mentira e do encobrimento. Quanto às verdadeiras forças do socialismo, continuam a lutar e atravessam as crises fazendo a denúncia dos saques dos ricos e da corrupção dos políticos. Lado a lado com as massas populares estabelecem no presente os alicerces do futuro. E nessas lutas, uma lição central importa aprender e decorar : não há verdadeira via social alternativa que não passe pela ruptura frontal com o capitalismo. O futuro é já amanhã, é certo, e aguardam-nos dias duríssimos de lutas de classes. Tudo vai, pois, depender da nossa firmeza e da coragem com que defendermos os nossos valores. E, também, muito dependerá do grau de consciência que tivermos das estratégias dos nossos inimigos.

Na actualidade internacional e no capítulo da solidariedade com os pobres, destaca-se um «fenómeno» que tende a generalizar-se e a alastrar de país para país. Em pleno tempo de crise profunda, os ricos e os muito ricos sentem súbitos movimentos de alma e convertem-se à «luta contra a pobreza», ainda que fiquem cada vez mais ricos. Bill Gates, por exemplo, no ano passado doou aos pobres parte da sua colossal fortuna e viu esta aumentar, num único ano, cinco biliões de dólares. Imediatamente, ele e a mulher fizeram novo donativo – mais 10 mil milhões – destinados a pagar vacinas a quem as não pudesse comprar, nomeadamente no caso das crianças dos países pobres. Bill Gates, diga-se de passagem, possui gigantescos interesses na indústria farmacêutica e a caridade dá lucro. O negócio resultou.

Este casos exemplares multiplicam-se pelos cinco continentes.

Registe-se apenas mais um, protagonizado pelo JP Morgan Chase, o Banco do Vaticano nos EUA. O JP chamou a si uma iniciativa original, particularmente dirigida aos fundos de pensões e de poupanças. Os interessados «emprestam» ao banco lotes de acções que são depois negociadas nas bolsas de valores. Se os resultados forem bons, os accionistas ganham tudo; se forem maus, perdem integralmente aquilo que investiram. É o tudo ou nada. Esta iniciativa iluminada, aparentemente para abrir oportunidades às classes médias, tem-se revelado desastrosa para os pequenos depositantes e fabulosa para os mais ricos. Simultaneamente, fabrica fortunas e gera a pobreza. É fria e deliberada.

Também entre nós proliferam as fundações filantrópicas, como a Gulbenkian, a Luso-Americana, a Oriente, a Champalimaud, a Francisco Manuel dos Santos, os Bancos de Voluntários e Alimentares, os institutos religiosos seculares, as associações, movimentos e obras de socorro social, as redes de solidariedade, etc., etc. Teoricamente, trata-se de instituições caritativas não-lucrativas. Mas não se esconde que nos seus cargos directivos abundam os nomes de individualidades ligadas à banca, às empresas privadas económicas e financeiras, ao mundo político e à Igreja católica. Todas essas instituições financeiras investem directamente no “mercado social”.

 

O Orçamento do Estado e os lucros da miséria

 

A lógica e a razão parecem terem-se apagado totalmente da vida pública portuguesa. Por exemplo, numa situação de crise económica e financeira profunda, o governo exige aos cidadãos sacrifícios insuportáveis «para salvar a Nação». Simultaneamente, porém, transfere para o Orçamento do Estado os défices da banca causados pela especulação e pela prática sistemática de fraudes financeiras. Ou seja, protege os ricos.

Assim, os bancos podem continuar a recolher lucros fabulosos, mesmo nas fases agudas da depressão. Um exemplo, apenas, a ilustrar esta noção de «crise», recolhido enquanto rios de tinta relatavam às massas os jogos florais que os políticos e os banqueiros alimentavam sobre a melhor forma de Portugal fugir à miséria: o BCP, famoso grupo bancário ligado de raiz ao Opus Dei, anunciou que, apenas no terceiro trimestre de 2010, tinha registado um lucro líquido de 217,4 milhões de euros. E os outros grandes bancos com sedes em Portugal, somam e seguem pelo mesmo caminho.

A crise é para os pobres. E se Portugal é já considerado o país mais pobre da Europa ocidental, não se deve esconder que nunca foi tão acelerado o ritmo do aparecimento de novas fortunas e do alargamento do fosso entre pobres e ricos.

Dê-se a este feixe de questões as «voltas» que se derem que as grandes linhas de força dos problemas centrais passam pelas centrais do negócio e do dinheiro, pelo Estado e pela Igreja católica.

 



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