Combater o terrorismo patronal
Em luta pelos seus mais elementares direitos, os trabalhadores do café A Brasileira do Chiado concentraram-se novamente, dia 26, para exigirem o fim das intimidações quotidianas e dos processos disciplinares ilegais e abusivos.
A repressão psicológica sobre os trabalhadores é quotidiana
«Aqui vive-se um clima laboral de repressão psicológica, de perseguição com intimidações várias, de incumprimento do Contrato Colectivo de Trabalho (CCT) em vigor e de processos disciplinares abusivos», confirmou ao Avante!, na concentração junto ao café, em Lisboa, o dirigente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Sul, Inácio Astúcia.
Neste ex-líbris da cidade, onde 90 por cento dos trabalhadores são imigrantes, a administração continua a ameaçar de despedimento, todos os dias, os que, desde Agosto do ano passado, iniciaram uma luta, com o apoio do sindicato da CGTP-IN, da qual resultou a passagem à efectividade dos que estavam, ilegalmente, alguns há mais de uma década, com contratos a prazo e a receber menos do que o salário mínimo nacional. Para isso foi necessária a intervenção da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), solicitada pelo sindicato.
Desde que a administração foi forçada a reconhecer conquistas laborais obtidas só depois de uma corajosa luta, os protagonistas directos desta importante vitória colectiva são quotidianamente ameaçados de despedimento.
«A entidade patronal iniciou uma perseguição psicológica e, actualmente, tenta aplicar cinco processos disciplinares com vista ao despedimento, apesar dos esforços do sindicato para que o clima regresse à normalidade», explicou Inácio Astúcia, acusando a entidade patronal de incumprimentos respeitantes aos horários de trabalho, às folgas e à marcação de férias.
«É um tremendo exemplo da forma como certos patrões tentam abusar de uma maior fragilidade vivida pelos trabalhadores imigrantes», considerou, lembrando que «foi porque os trabalhadores se sindicalizaram, organizaram e lutam que o patronato desencadeou este conflito», e salientando a urgência de uma nova intervenção da ACT, que «continua a marcar a sua actuação por uma enorme apatia».
Tudo serve para despedir
Amauri Rodrigues e Rossana Rodrigues são dois dos trabalhadores a quem o patronato tem tentado tornar intolerável a vida no café, com o propósito de despedir. «Já nos disseram muitas vezes que quem se sindicalizou vai acabar despedido, mais cedo ou mais tarde, e somos constantemente ameaçados», explicou Amauri, salientando que seis trabalhadores foram já injustamente despedidos.
Um deles perdeu absurdamente o emprego «porque comprou uns pêssegos para o jantar de todos, já que a empresa não serve fruta na refeição diária», revelou Amauri, lembrando como o patronato até a fruta confiscou.
A Júlia Jesus, cozinheira na casa há dez anos, foi aplicado outro processo por ter abandonado o local de trabalho no dia 15 de Agosto do ano passado, explicou. Para essa data estava marcada uma greve que acabou desconvocada. Como os trabalhadores estão impedidos pelas chefias de comunicarem entre si, Júlia não sabia que tinha sido desconvocada, entrou no local de trabalho e não encontrou os colegas; nem se fardou e voltou a sair, depois de ter constatado que o mobiliário da esplanada estava na sala, significando que o restaurante não ia abrir. Aquele comportamento foi motivo para o processo disciplinar. O sindicato interveio e evitou o despedimento.
Rossana trabalha há dez anos no estabelecimento e Amauri há oito e meio. Até a luta sindical ter forçado a passagem à efectividade, trabalharam com contratos sucessivos de seis meses, em clara ilegalidade, pois, ao terceiro, deviam ter passado ao quadro. Desde que se sindicalizaram, «de um dia para o outro, mudaram-nos o horário de trabalho», revelou Rossana. Tem dois filhos que ficam à guarda de familiares. «Se não tivesse cá família, como não tenho meios, não poderia deixá-los abandonados». No seu anterior horário foram colocados novos trabalhadores . «Outra trabalhadora que tinha mais de vinte anos de casa recusou a mudança por não ter condições de cumprir o novo horário e foi despedida», recordou Amauri.
«Queremos apenas que o bom senso regresse e que deixem de nos perseguir», afirmou Júlia.