O foguetório xenófobo de Sarkozy
O governo francês iniciou na semana passada a expulsão em massa de cidadãos estrangeiros de etnia cigana, cujos acampamentos têm sido impiedosamente destruídos pelas autoridades.
Aumentam os protestos contra as medidas repressivas
Desde o final de Julho, as autoridades francesas já desmantelaram 51 acampamentos ilegais em todo o país, segundo revelou, dia 17, o ministro do Interior Brice Hortefeux. O objectivo é desmantelar 300 até final de Novembro.
Um grupo de 86 pessoas foi embarcado, dia 19, num voo para a Roménia. No dia seguinte, 130 ciganos levaram o mesmo destino. Para hoje, quinta-feira, um novo voo deverá transportar até a capital romena 160 «ilegais». Até finais de Setembro estão programados voos para expulsar 850 pessoas que hoje residem em território gaulês.
A violência e irracionalidade das operações de despejo é testemunhada por vários relatos publicados na imprensa. Segundo o El Pais (18.08), cerca de 150 pessoas, incluindo mulheres e crianças ficaram sem abrigo na sequência da selvática destruição de um campo situado em Saint-Denis, na periferia da capital. Embora precário, o terreno tinha infra-estruturas de água e electricidade ali colocadas pela autarquia dirigida por eleitos comunistas. Tudo foi arrasado no início de Julho.
«Entraram e destruíram tudo. Agarram-nos pelos braços, pelas pernas, crianças e adultos, para eles era igual. Fizeram-nos sair de casa e atiram-nos para o chão como cães», relata o jornal citando uma jovem mãe de 25 anos, cuja filha já nascida em França frequenta a escola do país. Os desalojados vaguearam durante dias pela zona até que o município lhes cedeu novamente um terreno para montarem tendas.
Em Montreuil, 35 pessoas expulsas dos seus abrigos, dia 14, foram primeiro acolhidas no ginásio de uma escola, depois o município tomou-as a seu cargo.
Protestos multiplicam-se
São cada vez mais as vozes que se levantam, incluindo nas próprias fileiras da maioria governamental, apontando a irracionalidade destas operações que apenas agravam a situação e exacerbam os sentimentos xenófobos. Por seu lado, as associações mobilizam-se exigindo a suspensão destas perseguições e preparam acções de protesto.
Um comité da Nações Unidas assinalou, dia 12, «um recrudescimento notável do racismo e da xenofobia em França». A própria Comissão Europeia foi obrigada a recordar que Paris «deve respeitar as leis sobre a liberdade de circulação e residência na União Europeia». Mas a equipa do presidente Sarkozy mostra-se por enquanto inflexível.
Na verdade, muitos observam que estas medidas, para além de desumanas, são totalmente inúteis, já que nada impede os romenos expulsos de regressar a França quando bem o entenderem.
Procurando responder a tal argumento, o ministro da Imigração, Eric Bresson, anunciou que haverá em breve alterações na legislação para «lutar contra os abusos» do direito de circulação. Entre outras medidas, o governo planeia utilizar o ficheiro biométrico dos cidadãos expulsos para controlar futuras entradas.
Mas os números ilustram bem a ineficácia das medidas repressivas. Em 2008, as autoridades expulsaram 8 470 pessoas, das quais 95 por cento de etnia cigana. Todavia, calcula-se que continuam a residir ilegalmente no país entre 10 e 15 mil ciganos, metade dos quais serão menores de idade.
Para esta população o regresso não é alternativa, já que nos respectivos países as possibilidades de sobrevivência são ainda mais reduzidas.
Manifestação contra a discriminação
Entretanto, a União do Povo Cigano de Espanha convocou para dia 4 de Setembro uma manifestação europeia em Paris contra as medidas discriminatórias. O apelo que lançou conta já com o apoio de três dezenas de organizações sociais e partidos políticos franceses.
A associação pretende promover uma acção análoga à realizada em 2008, na capital de Itália, contra a política anticigana de Berlusconi. «Esta manifestação, preparada cuidadosamente, deverá ser unitária não só dos ciganos europeus, mas de todas as forças democráticas comprometidas com o respeito dos direitos humanos», lê-se no apelo divulgado no site da organização.
A impopularidade do presidente
Talvez não seja uma mera coincidência que a vaga repressiva desencadeada contra a população cigana ocorra precisamente num momento em que as sondagens indicam uma queda abrupta da popularidade do presidente Sarkozy.
Segundo um inquérito, divulgado na segunda-feira, 23, pelo diário Liberation, 55 por cento dos franceses não desejam a reeleição do actual presidente em 2012. E interrogados sobre qual a personalidade que deveria ocupar a chefia do Estado, uma maioria (44%) escolheu Dominique Strauss-Kahn, antigo ministro socialista do governo de Lionel Jospin e actual director do Fundo Monetário Internacional. Segue-se na lista a primeira secretária do Partido Socialista Martine Aubry (31%), surgindo depois Ségolène Royal (25%), candidata presidencial socialista nas últimas eleições. Nicolas Sarkozy aparece em quatro lugar com apenas 24 por cento das intenções de voto, ou seja, 20 pontos abaixo do candidato com mais preferências.
E se é certo que a sondagem indica igualmente uma falta de confiança generalizada no conjunto dos partidos para encontrar respostas à actual crise do capitalismo (57% consideram que a «esquerda» não faria melhor do que a direita se estivesse no poder), é igualmente verdade que o único capítulo em que a direita sarkoziana continua a levar vantagem sobre a «esquerda» é no da segurança: 43 por cento consideram que a direita tem «soluções mais eficazes contra a insegurança».