Contradições na América Central
Aumentam as contradições na evolução política da América Central. Numa visita recente a El Salvador da Delegação do Parlamento Europeu para a América Central, de que sou membro, vivemos e sentimos de perto essas contradições. Desde logo, é preciso ter em conta que a esquerda, há um ano, conseguiu eleger pela primeira vez um presidente, Maurício Funes, em Junho de 2009, jornalista independente apoiado pela FMLN, a força política que veio da guerrilha e fez a paz há cerca de 20 anos, e que nas últimas eleições legislativas elegeu 35 dos 84 deputados, sendo o maior grupo parlamentar na Assembleia Legislativa, mas onde os partidos de direita continuam a manter a maioria.
Esta situação gera contradições, as quais, por sua vez, influenciam e são também influenciadas pela situação nos países da região, onde os EUA não querem perder o domínio e onde a União Europeia pretende reforçar as suas posições, convergindo ambos na tentativa de evitar que o processo ALBA avance e a América Central se mantenha afastada da Venezuela, de Cuba, da Bolívia e do Equador, como fizeram de imediato os golpistas nas Honduras. Note-se que a 4.ª esquadra dos EUA está na Costa Rica e que, entretanto, se agrava a tensão entre a Venezuela e a Colômbia, país onde se instalaram recentemente bases dos EUA.
Com uma população residente inferior a sete milhões, mas com mais de três milhões de salvadorenhos emigrantes, sobretudo nos EUA, o actual governo de Maurício Funes, onde também participam ministros da FMLN, herdou um país com profundas desigualdades sociais, pobreza e desemprego muito elevados, uma população muito jovem em que cerca de 60 por cento tem menos de 30 anos, processos graves de delinquência e insegurança (os maras), além de ser também altamente vulnerável pelas suas condições naturais e climáticas.
Depois de um acordo de livre comércio com os EUA e da adopção do dólar como moeda oficial desde 2001, o actual governo assinou, em Maio passado, o Acordo de Associação entre a América Central e a União Europeia.
Entretanto, a FMNL mantém a sua crítica a acordos de livre comércio, tal como fez com os EUA. Mas a Comissão Europeia insiste que este acordo com a União Europeia tem dois outros pilares (diálogo político e cooperação) que o tornam diferente. Na verdade, não se sente grande diferença, já que na área política incluíram quer o Panamá quer as Honduras, escamoteando o golpe de stado militar que pôs fim ao governo de esquerda do presidente Zelaya, nas Honduras, em Junho de 2009, e a actuação dos actuais presidentes e governos de direita nas Honduras e no Panamá, onde a perseguição e prisão de sindicalistas e diversas pessoas da oposição se está a intensificar. Registe-se que os actuais dirigentes de direita do Panamá denunciaram unilateralmente o tratado constitutivo do Parlamento Centro-americano (PARLACEN) e não reconhecem os próprios deputados eleitos pelos eleitores do Panamá para este parlamento, do qual a Costa Rica também não faz parte, embora ambos os países tenham assinado o Acordo de Associação entre a União Europeia e a América Central.
Foi neste contexto que surgiu, por proposta do presidente Maurício Funes, durante a nossa estadia em El Salvador, a realização de uma Cimeira Extraordinária de Presidentes da América Central para relançar o Sistema de Integração Centro-Americana (SICA), onde não participou a Nicarágua. Nesta cimeira de 21 de Julho, decidiram reincorporar na SICA as Honduras e pediram à OEA que também o faça. Nesse mesmo dia, pela noite, o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, criticou a decisão relativamente à inclusão das Honduras na SICA por não terem ainda sido cumpridas as promessas do governo de Lobo relativamente ao restabelecimento da democracia no país, e considerou-a igualmente grave por pôr em causa o princípio da unanimidade ou do consenso nas decisões na SICA que vigoraram até aí.
É neste complexo mosaico social e político que se sentem as pressões fortes da direita para fazer regredir as conquistas alcançadas em diversos países da América Latina, com apoio claro da Administração dos EUA, que não mudou a sua política imperialista. Mas esta situação não pode servir de pretexto à União Europeia para procurar impor, na prática, um acordo de livre comércio à região, escamoteando todos os problemas existentes, incluindo as enormes assimetrias. El Salvador e outros países da região precisam de maior cooperação e de solidariedade da União Europeia. Mas isso não pode significar imposições económicas e maiores facilidades para as multinacionais europeias se juntarem às americanas na exploração das riquezas naturais e do trabalho dos povos daquela região.