Rumo desastroso

Debater o actual estado da Nação, como não podia deixar de ser, permite também antever cenários e abrir pistas quanto ao futuro. Foi o que fez o líder parlamentar do PCP, Bernardino Soares, ao traçar um olhar prospectivo sobre o que será o País daqui por um ano. Nada brilhante, a manter-se esta política, foi a conclusão a que chegou.

É que, tudo o indica, com esta política económica do Governo PS, com o apoio do PSD, haverá mais desemprego, situação agravada com os cortes no respectivo subsídio e nas prestações sociais.

«Será igualmente certo que haverá um aumento do custo de vida, por causa dos preços das energias e dos combustíveis que são também da responsabilidade deste Governo», anteviu ainda o presidente da formação comunista, convicto de que se manterá igualmente o roubo dos salários aprovado entre o PS e o PSD e de que continuaremos a ter uma «diminuição do investimento público» e, por consequência, «uma maior dificuldade para o crescimento económico».

«Este vai ser o estado da Nação no próximo ano, pior do que o estado da Nação do ano em curso», sintetizou o líder parlamentar comunista, antes de desafiar o primeiro-ministro a esclarecer as razões que o levam a não adoptar determinadas medidas.

«Por que é que o Governo ainda não reagiu ao escândalo que é a perspectiva de tributação que a banca anuncia sobre si própria e que na melhor das hipóteses estará abaixo de 15 por cento e na pior na casa dos cinco por cento?», perguntou.

«Por que é que o primeiro-ministro e o Governo não vão aí buscar as receitas de que o Estado necessita? Por que é que os lucros da banca não são tributados como devem ser, como a justiça exige que sejam?», foram as perguntas que José Sócrates ouviu de Bernardino Soares, mas às quais não respondeu.


Fugir à realidade

 

O desfasamento entre o País real e o que foi descrito pelo primeiro-ministro foi um dos aspectos que mais sobressaiu do debate, justificando as duras críticas do PCP. Jerónimo de Sousa, na sequência da intervenção inicial do chefe do Governo, acusou-o mesmo de ter feito um discurso que «não corresponde à realidade que o País vive» e desafiou-o a «pôr os pés na terra» e verificar que o estado do País não é o que descrevera mas «muito mais grave».

Quem não poupou o conteúdo da intervenção de José Sócrates foi também o deputado comunista António Filipe, que a qualificou de «inacreditável», vendo nela «uma fuga para a frente, mas para parte nenhuma».

«Não foi sobre o estado da Nação mas sim sobre uma Nação que só existe no seu discurso», verberou, esclarecendo que «uma coisa é ter confiança, outra é fugir à realidade».

Outro traço não menos grave na intervenção do primeiro-ministro, na perspectiva da bancada comunista, foi a ausência de qualquer referência para com aqueles que sofrem dificuldades em consequência da política do Governo, omissão que faz do discurso do primeiro-ministro uma «peça insultuosa».

«Não houve uma palavra para os desempregados que não têm meios de subsistência», insistiu em apontar o deputado do PCP, lembrando que tal acontece no preciso momento em que os responsáveis das IPSS vêm dizer que nunca tantas pessoas pediram apoio.

Tal como não houve uma palavra para quem «empobrece a trabalhar», nem para quem sofre cortes salariais, nem para os pequenos empresários que «vêem os seus negócios a falir a cada dia que passa».

«Não houve uma palavra para os milhares de licenciados que estão no desemprego ou estão a trabalhar em empregos que não têm nada a ver com as qualificações por si obtidas, acrescentou o parlamentar do PCP, que não escondeu a sua indignação pelo silêncio de José Sócrates sobre os idosos que «vão à farmácia e não têm dinheiro para comprar os medicamentos» ou sobre «os milhares de utentes que não têm médico de família».

«Os portugueses que o ouviram sabem que não falou do estado da Nação que as pessoas sentem todos os dias. Ou o seu discurso está certo ou é a realidade que se engana. Mas pode dizer o que quiser que a realidade não se engana», rematou António Filipe.



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