Comentário

Com a cumplicidade da UE

Maurício Miguel

Muitas ima­gens de­pois, a mesma re­a­li­dade. Quantas vezes fomos, cada um de nós, cho­cado com as ima­gens re­sul­tantes dos ata­ques is­ra­e­litas, as mu­lheres que choram a morte dos seus fi­lhos, os fi­lhos aban­do­nados pela morte dos seus pais. Quantas vezes vimos ho­mens que car­regam nos braços fa­mi­li­ares, amigos, co­nhe­cidos ou des­co­nhe­cidos, fe­ridos ou mortos pelo sim­ples e cruel facto de es­tarem numa es­cola, num hos­pital, num ser­viço pú­blico... Quantas «jus­ti­fi­ca­ções» ou­vimos os go­vernos is­ra­e­litas e os seus ali­ados fa­lando da pre­venção de aten­tados ter­ro­ristas, que as pró­prias ima­gens de­nun­ci­avam ser men­tira... Quantos inqué­ritos in­ter­na­ci­o­nais, quantas con­de­na­ções pelas Na­ções Unidas...

O povo mártir da Pa­les­tina re­siste à pressão e à ocu­pação de Is­rael, à bar­bárie e ao ter­ro­rismo de Es­tado. Dé­cadas de apartheid não que­braram a te­na­ci­dade da sua luta contra um dos exér­citos mais bem trei­nado e ar­mado do mundo. É para nós di­fícil ter uma ideia real sobre como pode ser a vida de al­guém numa si­tu­ação tão dra­má­tica. A re­a­li­dade em que vive este povo é bem mais brutal e cruel. É a sua in­que­bran­tável força que os mantém nesta luta para que lhe seja re­co­nhe­cido o di­reito ao seu Es­tado, ao seu ter­ri­tório, no fundo para que lhe seja re­co­nhe­cido o di­reito a ser povo.

Nos ter­ri­tó­rios ocu­pados, a si­tu­ação mantém-se com vi­o­la­ções per­ma­nentes dos di­reitos fun­da­men­tais dos pa­les­ti­ni­anos. São diá­rias as agres­sões e a apli­cação da jus­tiça é feita de forma ar­bi­trária. São de­zenas de mi­lhares os pri­si­o­neiros po­lí­ticos nas pri­sões is­ra­e­litas. Su­cedem-se os pontos de con­trolo que li­mitam ou im­pedem a sua cir­cu­lação no in­te­rior dos ter­ri­tó­rios e o co­mércio. Existem rotas apenas per­mi­tidas aos is­ra­e­litas. Pros­segue a de­mo­lição das suas casas pelas au­to­ri­dades is­ra­e­litas, o roubo das terras para cons­truir o muro da se­pa­ração e fazer avançar os co­lo­natos. Os is­ra­e­litas tentam impor a co­mer­ci­a­li­zação dos seus pro­dutos, a taxa de de­sem­prego é ele­va­dís­sima e os ní­veis de po­breza ex­trema são dra­má­ticos. Os campos de re­fu­gi­ados mantêm-se com fa­mí­lias em si­tu­ação pre­cária há de­zenas de anos. Is­rael mantém o blo­queio à Faixa de Gaza desde 2008, di­vi­dindo os pa­les­ti­ni­anos em dois campos, Cis­jor­dânia por um lado, e a Faixa de Gaza por outro, quase sem con­tactos entre si.

UE fi­nancia Is­rael

Tudo isto acon­tece pe­rante a mais pro­funda hi­po­crisia dos EUA e da UE, prin­ci­pais ali­ados de Is­rael, que não só se mantêm como ga­rante da sua im­pu­ni­dade como ins­tigam a sua acção, de acordo com os seus in­te­resses eco­nó­micos, ge­o­es­tra­té­gicos e mi­li­tares. É neste quadro que surge a no­tícia de que a Co­missão Eu­ro­peia está em vias de con­cluir a apro­vação de mais um pro­jecto, fi­nan­ciado pela UE, para o de­sen­vol­vi­mento da «pes­quisa ci­en­tí­fica» na In­dús­tria Ae­ro­es­pa­cial de Is­rael (AIA). No quadro do pro­grama plu­ri­a­nual de apoio à in­ves­ti­gação, a con­firmar-se a sua apro­vação, a in­dús­tria mi­litar de Is­rael po­derá be­ne­fi­ciar de cen­tenas de mi­lhões de euros até final de 2013.

A AIA é apenas uma das 34 par­ceiras is­ra­e­litas da UE na área das tec­no­lo­gias da in­for­mação. A Co­missão Eu­ro­peia diz que se trata apenas de um «pro­grama civil», as au­to­ri­dades is­ra­e­litas por seu lado são bem mais claras afir­mando, sem qual­quer pejo, que existem li­ga­ções es­treitas entre o de­sen­vol­vi­mento do sector tec­no­ló­gico e o seu exér­cito. A AIA é o fa­bri­cante dos fa­mosos aviões não tri­pu­lados que foram uti­li­zados no ataque à Faixa de Gaza no final de 2008, início de 2009, cau­sando a morte de de­zenas de pes­soas. É co­nhe­cida a im­por­tância que a in­dús­tria de ar­ma­mento tem para a eco­nomia is­ra­e­lita, tanto mais que este país vende ma­te­rial e equi­pa­mento de guerra a países da UE que os uti­lizam, entre ou­tros lo­cais, no Afe­ga­nistão, em mis­sões da NATO. A pro­ve­ni­ência de Is­rael é uma es­pécie de cer­ti­fi­cação do ma­te­rial, pois, na mai­oria dos casos, já foi tes­tado no ter­reno (contra os pa­les­ti­ni­anos ou contra ou­tros dos seus vi­zi­nhos).

Is­rael é um im­por­tante actor da cha­mada luta contra o ter­ro­rismo. No seu ali­nha­mento com a dou­trina que ci­menta ca­minho nos EUA e na NATO, a UE uti­liza o saber fazer dos is­ra­e­litas numa área em que, tudo in­dica, se pre­tende que tenha muito maior im­por­tância or­ça­mental no fu­turo.

As múl­ti­plas vi­o­la­ções dos di­reitos fun­da­men­tais que Is­rael impõe aos pa­les­ti­ni­anos, a ex­pe­ri­ência do seu exér­cito e dos seus ser­viços se­cretos, da sua in­dús­tria mi­litar cons­ti­tuem uma base só­lida, um exemplo que a UE não só apoia como ela mesma dá si­nais de pre­tender se­guir esse ca­minho. Lá, na Pa­les­tina, como cá, em Por­tugal ou na UE, a luta é o ca­minho!



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