Zero!

Ângelo Alves

Movimentos dos EUA visaram sobretudo manter a sua supremacia no campo militar

Conclui-se amanhã em Nova Iorque a Conferência de Revisão do Tratado de Não Proliferação de armas nucleares.

A Conferência foi precedida de uma ofensiva mediática da administração norte-americana e do seu presidente. A realização por sua iniciativa de uma Conferência de Segurança Nuclear em Washington, a assinatura de um novo acordo START entre Rússia e EUA e uma sucessão de visitas e discursos quer do presidente norte-americano, quer da secretária de Estado Hillary Clinton, venderam a ideia de um novo ciclo e de uma administração norte-americana profundamente comprometida com a diplomacia, o desanuviamento, o desarmamento e a paz.

Mas a realidade aí está mais uma vez a dar razão às cautelas com que o PCP, e muitos outros, olharam para tais acontecimentos. Não retirando importância e valor a conclusões positivas que possam vir a sair da Conferência de Revisão do TNP, bem como à assinatura do novo Tratado START, há que olhar a realidade. E essa realidade demonstra que os recentes movimentos dos EUA visaram sobretudo manter a sua supremacia no campo militar, geo-estratégico e tecnológico, instrumentalizar as conferências internacionais para tentar isolar estados que não se rendem ao domínio do imperialismo e contrariar a tendência do seu declínio relativo nos campos económico e diplomático.


Seria um erro concluir que os EUA enveredaram pelos caminhos da paz e da cooperação. Bastaria para tal olhar para as notícias mais recentes como a de os EUA terem neste momento mais militares em combate no Afeganistão que alguma vez tiveram no Iraque; como a de a tão propagandea da «retirada» dos EUA do Iraque se saldar neste momento pela presença neste país de 91 mil militares; como a que revela que os EUA alargaram as suas actividades militares secretas no Médio Oriente, na Ásia Central e no Corno de África; como a que confirma, por revelação de documentos oficiais, que Israel, o filho pródigo dos EUA, tem um poderoso armamento nuclear e que o tentou vender em 1975 ao regime do apartheid na África do Sul ou ainda a notícia que nos dá conta do discurso de Obama na Academia Militar de West Point, pautado pela repetição do célebre conceito da «nova ordem internacional» a que agora adiciona a ideia de que «os fardos deste século não podem ser carregados apenas pelos nossos soldados»(1). Um discurso feito à medida das conclusões do relatório de peritos da NATO recentemente divulgado e que aponta as duas linhas fundamentais do seu novo conceito estratégico: acção militar da NATO a nível global e sob qualquer pretexto e aumento significativo das despesas militares de todos os seus membros.


Mas se tais notícias não bastassem para provar a insistência dos EUA e da NATO no rumo do militarismo e da imposição unilateral, os recentes acontecimentos em torno do chamado «dossier nuclear do Irão» vêm dissipar quaisquer dúvidas. A assinatura de um acordo de troca de combustível nuclear entre Brasil, Turquia e Irão, exactamente nos mesmos termos das exigências do Grupo dos 5+1, reconhecendo simultaneamente o direito soberano do Irão de desenvolver a sua tecnologia nuclear para fins pacíficos, foi, independentemente dos interesses de cada um dos subscritores, uma demonstração muito clara das possibilidades existentes no campo da diplomacia internacional e do complexo e profundo processo de rearrumação de forças que se acelera com o aprofundamento da crise do capitalismo. Tal acordo foi alvo da tentativa prévia de boicote pelos EUA e posteriormente de uma reacção «à cowboy»: para os EUA tal acordo não vale e tentam agora envolver Rússia e China na aprovação de sanções ao Irão, como se nada se tivesse passado. Fica assim bem claro o grau de comprometimento dos EUA com a diplomacia, a paz e o desanuviamento, ou seja, zero!

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 (1) Público, 22 de Maio.



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