Para vencer todas as armas contam
A razão que, há quatro anos, motivou o trabalhador da Dyrup a recusar a indemnização que a empresa já lhe tinha depositado na conta e a contestar o despedimento foi reconhecida, no final de Março, pelo Supremo Tribunal de Justiça. Ontem Manuel Formas completou o primeiro mês de reintegração no seu posto de trabalho.
Com o coordenador do seu sindicato e camarada de Partido, Delfim Mendes, um dos que acompanharam mais de perto o caso, recorda e comenta aqui esta história que terminou em vitória.
Operário especialista, da área de enchimento de tintas da fábrica da Dyrup, em Sacavém, Manuel Formas voltou ao seu posto de trabalho no dia 19 de Abril. Continua a ser dirigente do Sindicato da Indústria Química, Farmacêutica, de Petróleo e Gás do Sul e Ilhas, o Sinquifa/CGTP-IN, e afirma que vai usar sem constrangimento os direitos legais reconhecidos, para fazer face às responsabilidades sindicais.
Para comentar como viveu o tempo decorrido desde que regressou ao serviço, evoca um momento único de alegria: - «Gostei de ter casado. Mas ninguém me tira este prazer de ter voltado à Dyrup ao fim de quatro anos e três meses.»
A empresa mudou, muitos dos que conhecia já não estão lá, há «um terror grande nalguns sectores», mas sente «um alívio nas pessoas». Formas diz ter aprendido «há já uns anos» que «não se pode mostrar medo, quando se faz parte de uma estrutura». Mantendo esta postura, «acabamos por ser reconhecidos» e isso dá frutos. Neste mês, sem ele nem os restantes camaradas do sindicato terem feito nada de especial, «já tivemos novas sindicalizações e foram-nos colocados problemas que estamos a tentar resolver». «Para não me alongar» e ressalvando que não se trata de vaidade, lê uma mensagem que recebeu há dias no telemóvel, de uma jovem trabalhadora que a empresa quis despedir, no regresso da licença de parto, mas que decidiu resistir e, para suportar a pressão, tem que tomar medicação: «Ok! Obrigada! Depois de falar consigo sinto-me sempre melhor. Eu sei que não pode fazer milagres, mas é uma pessoa que tem muito valor por tudo o que conseguiu, pela persistência, pela coragem. Não interprete as minhas palavras como graxa, é mesmo com sinceridade. Fico a aguardar por novidades.» A voz do Manuel ainda quis tremer, mas o valor da mensagem sobrepôs-se à comoção.
Luta no tribunal?
O desfecho deste caso na Dyrup - saudado pelo sector de empresas da organização concelhia de Loures do PCP, num comunicado em que apontou Formas como «um exemplo a seguir» - é justamente considerado uma vitória. Mas será vitória da luta ou resultado do desempenho do advogado? Que esta pergunta, forçada pelo jornalista, baila nos pensamentos de muitos, confirmou a resposta de Delfim Mendes. Se «o primeiro passo que o sindicato estimula é a luta nas empresas e a resistência dos trabalhadores, logo que as situações de injustiça ocorrem», «os tribunais também existem para avaliar a razão que assiste aos trabalhadores». Este caso «foi uma vitória da luta, que se fez também do ponto de vista jurídico, com uma boa argumentação, uma boa defesa por parte do advogado do sindicato». Mas, «se o Formas não tivesse resistido, não tivesse esta determinação de enfrentar a injustiça do seu despedimento, os tribunais nem poderiam sequer ter sido chamados à colação». Ora «o Manuel não aceitou o despedimento, não aceitou a decisão da primeira instância, que foi favorável à empresa, e não aceitou a decisão da Relação, e só assim é que se chegou ao Supremo». Na mesma situação, «quem não lutou, quando se tratava da luta sindical, também não travou a batalha jurídica, apenas atirou a toalha ao tapete». Em resumo, «a luta assume várias formas e um lutador utiliza todas as formas de luta que tem à sua disposição».
Manuel admite que «ainda pensei, no início, que a empresa voltasse atrás com o meu caso, depois de os outros sete aceitarem o despedimento». Ele «até tinha feito um enfarte um ano antes... E eles conheciam-me, sabiam que eu não ia dar o braço a torcer. Mas o Delfim desenganou-me e alertou-me para o que me esperava».
Hoje não hesita em afirmar que «fui livre de escolher o caminho e escolhi assim porque era a minha obrigação», porque «na vida sindical, temos que ser exemplo para as outras pessoas, temos que praticar aquilo que dizemos, começando por defender os nossos próprios interesses dentro da fábrica».
Delfim conta, a propósito, «outro caso gritantemente injusto», na ONO Packaging, em Setúbal. O despedimento colectivo ali desencadeado «inclui apenas três representantes dos trabalhadores: um é delegado sindical, outro é dirigente e o terceiro é representante para a segurança no trabalho». Antes, a empresa tinha sido condenada, em tribunal, a pagar as diferenças salariais, porque estava a discriminar o dirigente do Sinquifa. Agora, face à «ilegalidade tremenda» de «um despedimento selectivo», os três representantes dos trabalhadores «decidiram resistir e lá estamos nós em tribunal».
Certo é que «as empresas recorrem mais aos tribunais do que os trabalhadores», porque «muitos não acreditam nesta Justiça e retraem-se». O patronato «tem condições financeiras para suportar os processos e tem garantido que, enquanto o pau vai e vem, folgam as costas».
Pela sua experiência, Manuel Formas comprovou que «isto está muito do lado dos patrões», o que «é resultado dos partidos que nos têm governado e que têm feito as leis sempre a favorecer mais o capital».
Delfim diz que, «se nos encolhermos, estimulamos o patronato a fazer cada vez mais diatribes». Admite que o desequilíbrio de forças é grande, mas lembra que os trabalhadores organizados são muito fortes. «Se o Formas estivesse, não com o sindicato, mas sozinho, se calhar não tinha ganho a batalha», nota. Conta que «há quem, para não aparecer como sindicalizado, recorra a advogados particulares quando tem problemas no trabalho, mesmo que isso custe rios de dinheiro», só que «essa não é a solução e acontece muitas vezes que casos desses acabam por vir ter aos sindicatos». E conclui que «é com o sindicato que, logo quando surgem os problemas, estes devem ser atacados, e é com o sindicato e com os advogados do sindicato que, quando a empresa não quer resolver a bem, se avança para o tribunal, com preparação, com experiência e com determinação».
A obrigação de resistir
Manuel Formas considerou pertinente termos perguntado por que decidiu travar esta batalha e não aceitou nenhuma das possibilidades que sugerimos. Salientando sempre que não estava a falar por falar, porque nem sequer tinha necessidade de tal, disse apenas que «eu vi isto como uma obrigação que tinha, enquanto comunista e enquanto dirigente do sindicato», pois «de outra maneira, iria contrariar tudo o que tinha defendido até aí».
«Aquele despedimento colectivo tinha todos os traços para se concluir que a empresa queria "embrulhar-me" nele e mandar-me dali para fora». Sendo flagrante a injustiça e «se nós defendemos que o que mais importa é o posto de trabalho, como podia eu decidir outra coisa» - perguntou, por seu turno, recordando que a empresa nem sequer tinha feito o que a lei exige, já que «não fundamentou por que eram despedidos precisamente aqueles oito trabalhadores, onde me incluiu».
Os representantes da Dyrup «trouxeram tudo e mais alguma coisa para a fundamentação económica», mas não havia um fundamento concreto para cada trabalhador a despedir. Como reconheceu o STJ, a empresa devia ter justificado por que queria despedir um e não outro qualquer.
Quando comunicou o despedimento colectivo dos oito, a empresa «fez logo um ultimato: "ou aceitam as nossas propostas para rescisão, ou vamos mesmo para o despedimento e não levam nada disto». Formas sublinha que «logo na primeira reunião de informação e negociação eu disse que iria até ao fim para defender o posto de trabalho. Vergonha tinha eu de fazer o contrário...»
Essa primeira etapa da resistência, na empresa, chegou ao ponto de fazer a devolução do dinheiro da indemnização que já lhe tinham colocado na conta bancária. Depois, «tive que me aguentar como desempregado»... E «também tive pressão no tribunal, na audiência preliminar da impugnação do despedimento, fui questionado durante 45 minutos, já escorria água pelo corpo todo, com o juiz a insistir por três vezes se o nosso advogado tinha mandato para negociar e até chegou a avisar-me que "casamentos forçados dão mau resultado"». Mesmo agora, o acórdão do Supremo, também não o pode deixar satisfeito, «é muito limitado para aquilo que me fizeram passar, a mim e aos que estiveram comigo nisto».
Mas, conclui Formas, «se eu tivesse negociado, era mais um caso em que uma empresa violava a legislação, punha pessoas na rua, o Estado gastava dinheiro com o fundo de desemprego, e eu era hoje mais um dos desempregados deste País». Assim, «a empresa foi condenada e eu estou lá dentro».