Contra a destruição do estaleiro público e de direitos

Arsenal do Alfeite faz falta ao País

Luís Gomes

A privatização do Arsenal do Alfeite prejudica gravemente os trabalhadores e resulta na destruição de um importante segmento da indústria naval. Ameaçados com a «mobilidade especial», os trabalhadores foram forçados a aceitar um «acordo», sob ameaças e chantagens várias.

«Sem o Arsenal, a Marinha terá de recorrer ao estrangeiro»

A recente conversão do Arsenal do Alfeite em sociedade anónima tem nefastas consequências para a Marinha, o País e a economia nacional, consideraram, em entrevista ao Avante!,  os dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores das Forças Armadas, Estabelecimentos Fabris e Empresas de Defesa, Celeste Soeiro, Rogério Caeiro, e Alexandre Plácido, e o advogado do Steffas/CGTP-IN, José Torres.

«Desde o início do processo de conversão, as organizações representativas dos trabalhadores alertaram para estas consequências», recordou Celeste Soeiro, que é também do Conselho Nacional da CGTP-IN.

Em consequência de um progressivo processo de aniquilamento do estaleiro e da sua produção, nas últimas décadas, não foram minimamente acautelados os direitos dos trabalhadores, recordou a dirigente do Steffas.

Em Fevereiro de 2009, o Governo PS publicou os decretos-lei que decretaram a extinção do Arsenal, enquanto empresa pública, e a sua passagem a sociedade anónima. O sindicato e os trabalhadores mobilizaram-se e desenvolveram lutas e acções de sensibilização da opinião pública para os perigos daquela conversão que, já o sabiam, ameaçava os seus direitos e os postos de trabalho. O processo de conversão prolongou-se até Agosto daquele ano, em vésperas de eleições legislativas.

«Sem o Arsenal, a Marinha terá de recorrer ao estrangeiro para manter os seus navios», explicou Rogério Caeiro, trabalhador do estaleiro há 20 anos.


«Acordo de cedência»


Sem negociar com os sindicatos, e sem clarificar em que situação e condições ficariam os trabalhadores, o Ministério da Defesa aplicou um «Acordo de cedência de interesse público», que transferiu centenas de funcionários, muitos deles altamente qualificados, para outras tarefas na Marinha, esvaziando, progressivamente, as capacidades humanas, que eram motivo de prestígio do Alfeite.

Este «acordo» costuma ser aplicado, na Administração Pública, como medida temporária, quando há necessidade de mão-de-obra para uma tarefa específica, fora do local e do serviço a que o trabalhador pertença, sendo que dela não podem resultar prejuízos para o transferido. Ora, «nada disso aconteceu no Alfeite, onde o acordo foi usado para destruir os vínculos públicos», salientou Celeste Soeiro.

«O Ministério da Defesa nunca negociou as condições das transferências, tendo imposto o que entendeu», acusou Rogério Caeiro.

A quem recusou o «acordo», foi imposta, como única alternativa, a passagem à «mobilidade especial». «Se aceitassem o acordo e os respectivos contratos individuais, perderiam o tempo de serviço e os direitos consagrados, enquanto funcionários públicos, como está a acontecer», esclareceu Celeste Soeiro.

Nenhum trabalhador aceitou passar ao regime de contrato individual de trabalho e todos resistiram, até ao limite consagrado, de 90 dias para tomarem uma decisão.


Governo indiferente


A administração «desrespeitou constantemente as regras da negociação, tendo o ministro da Defesa negado sempre informar sobre as verdadeiras intenções deste processo, que foram, desde o início, destruir mais um sector público, fundamental ao desenvolvimento do País», acusou Celeste Soeiro.

Os trabalhadores foram-se mobilizando em plenários e acções de luta, alertados pelo sindicato e também pela célula do PCP no Arsenal, para a incerteza quanto ao futuro decorrente da privatização.

«Não entendemos a quem serve e como é que o estaleiro e o País beneficiam com esta transformação», disse Rogério Caeiro, lembrando que «o Governo mentiu, porque sempre justificou a conversão em sociedade anónima argumentando que essa seria a forma de modernizar o Arsenal para o tornar num estaleiro de ponta».  

«A administração chegou mesmo a informar que tinha cativado cerca de 70 milhões de euros para modernizar o estaleiro», revelou Celeste Soeiro.


Cenário desolador


«O Arsenal é, actualmente, uma empresa em alto estado de decadência e degradação, um cenário completamente desolador», salientou Rogério Caeiro. «Constatamos diariamente uma grande falta de trabalho e apenas se efectuam pequenas reparações, com facturações muito residuais, e em determinadas oficinas muitas máquinas estão paradas, coisa que nunca vi, durante 20 anos no Alfeite, e, actualmente, não é conhecida qualquer carteira de encomendas».

Trabalhadores e sindicato continuarão a lutar para que esta situação se inverta e se altere a estratégia de gestão, minimizando-se os estragos já provocados e recuperando-se uma empresa que foi referência mundial na indústria naval.


Chantageados e ameaçados


Até ao fim do limite de 90 dias, para os trabalhadores decidirem em qual das duas modalidades contratuais pretendiam enquadrar-se, e porque resistiram sempre a ceder a estas injustiças, «foram sendo vítimas de chantagem constante», acusou Celeste Soeiro, lembrando as ameaças de passagem à «mobilidade especial», se recusassem o «acordo de cedência».

Algumas vagas foram abertas na Marinha, para onde 280 trabalhadores foram transferidos. Outros 180  acabaram colocados na «mobilidade especial», onde se encontram, desde 31 de Agosto, com graves cortes nos rendimentos.

Continuam no Arsenal 624 trabalhadores, que reclamam a salvaguarda dos postos de trabalho e a recuperação dos direitos que o Governo lhes sonegou, salientou Rogério Caeiro. «Na altura, a administração anunciou que o “acordo de cedência” tinha sido assinado, de livre vontade», lembrou.

 

Graves ilegalidades

 

Como foi observado pelo jurista do sindicato, José Torres, em reunião com o secretário de Estado da Defesa, «o direito de negociação não foi tido em conta durante este processo». Como os  trabalhadores eram funcionários do Estado, era-lhes aplicada a Lei 23/98, da contratação colectiva, transposta para o Código do Trabalho de 2003, e onde se consagra que qualquer alteração ao estatuto de funcionário público tem de ser negociada. «Tornou-se evidente a grosseira modificação do estatuto dos trabalhadores, sem qualquer negociação, nem qualquer respeito pelas formalidades», recordou o jurista.

O sindicato também questionou o Ministério da Defesa, a propósito da Directiva Comunitária 2001/23/CE, respeitante às regras para transferência de trabalhadores entre empresas, onde se considera a necessidade de se adoptarem disposições que assegurem a manutenção dos seus direitos, e de se promover «a informação, a consulta e a participação dos trabalhadores em tempo útil».

«Nada deste género alguma vez aconteceu na Administração Pública», salientou José Torres, revelando que «o Ministério nunca respondeu a esta questão». O sindicato está a ponderar recorrer às instâncias próprias, no sentido de fazer cumprir aquela directiva.

Este processo «também enferma de graves inconstitucionalidades, respeitantes ao princípio da segurança jurídica e da confiança, por perda, designadamente, do estatuto de funcionário público».

Igualmente «ilegal, foi a coacção a que os trabalhadores foram expostos com a ameaça de passarem à “mobilidade especial”».

O sindicato continuará a reclamar a integração de todos os trabalhadores num Arsenal do Alfeite público, ao serviço do País, com os direitos respeitados, enquanto trabalhadores da Administração Pública.



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