Comentário

Notas breves sobre a crise na UE

João Ferreira

Atraso, dependência, regressão e declínio nos planos económico e social, com desemprego e pobreza estruturais. Poderíamos sintetizar assim, num brevíssimo retrato à la minuta, a realidade económica e social do país, percorrida a primeira década do século XXI.

Uma radiografia a esta realidade permite revelar causas por detrás do retrato, sendo duas delas: uma dificuldade crescente em criar riqueza e uma distribuição crescentemente desigual e injusta da riqueza criada.

Causas indissociáveis do processo de integração europeia – da sua matriz, objectivos e opções – e do seu confronto com a matriz, objectivos e opções plasmadas na Constituição da República Portuguesa.

É-nos mais difícil criar riqueza. E assim é porque, às mãos dos executores de uma verdadeira política de abdicação nacional, foi desmantelada parte substancial do nosso aparelho produtivo. Três evidências:

1. O abandono rural e a destruição de muita da pequena e média agricultura, em resultado da integração na PAC e das suas sucessivas reformas liberalizantes, elevaram a dependência alimentar do país acima dos 70 por cento.

2. Portugal, que de todos os países da UE é aquele que tem a maior Zona Económica Exclusiva, importa cerca de dois terços do peixe que consome. Um breve parêntesis: Cavaco Silva «descobriu» há dias a vocação do País para o mar, segundo ele, injustificadamente desaproveitada; convém dizer que este é o mesmo senhor que, em finais da década de 80, decidiu a integração (antecipada face ao inicialmente previsto) de Portugal na Política Comum de Pescas, na sequência da qual, ao longo da década de 90, abatemos 36 por cento da nossa frota pesqueira e reduzimos em 40 por cento as capturas, ao mesmo tempo que outros – como a Espanha, Reino Unido, França e Dinamarca – aumentavam frotas e/ou capturas.

3. A indústria, em meados da década de 80, contribuía em mais de 30 por cento para o rendimento nacional; hoje o seu peso é inferior a 15 por cento.

Ademais, no essencial, tem persistido um perfil de especialização da economia nacional assente em sectores de mão-de-obra intensiva, pouco qualificada, com fracas produtividades, de baixo valor acrescentado. Foi o lugar – periférico, apendicular – para que nos remeteram no quadro do processo de Divisão Internacional do Trabalho. Processo que, na integração capitalista em curso, não significa outra coisa senão a «especialização» de uns sempre em ganhar e a «especialização» de outros sempre em perder.

De tudo isto, e de muito mais, é feita a dificuldade crescente do país em criar riqueza. De tudo isto, e de muito mais, são feitos os défices e as dívidas. Como também da saída de capitais para o exterior, na sequência da importante presença que o capital estrangeiro adquiriu em diversos sectores da vida nacional – mediada pelas privatizações, que no seu conjunto compõem uma história de autêntico esbulho ao povo português. História, em boa medida, ainda por contar em todos os seus detalhes e a que o governo quer agora acrescentar mais um negro capítulo.

Com o desmantelamento da capacidade produtiva do país – de Portugal, como também de outros “companheiros periféricos de infortúnio” – ganharam outros. O peixe graúdo. Com uma União Económica e Monetária feita à medida dos seus interesses, da sua “vocação” exportadora, a panela de ferro, no desigual confronto com a panela de barro, desfê-la em cacos.

Dados recentemente divulgados, relativos ao comércio na zona euro, evidenciam o lugar destacado ocupado pela Alemanha nas trocas comerciais com os seus vizinhos, acumulando um invejável e inigualável superavit.

 

«Solidariedade europeia»

 

Perante o agudizar da crise, os governos da UE acabam de deixar bem claro qual o significado da «solidariedade europeia». Por via dos chamados empréstimos (hoje à Grécia, amanhã possivelmente a outros), com juros superiores aos que foram estipulados nos empréstimos concedidos à banca, o rol das imposições é extenso e elucidativo: congelamento de salários e pensões, corte de subsídio de férias e de Natal para trabalhadores e reformados, destruição de direitos, drástica redução de efectivos na administração pública, cortes no investimento público, privatização de sectores públicos essenciais, encerramento de serviços públicos, etc. etc.. Em suma: uma condenação a mais atraso, dependência, regressão e declínio nos planos económico e social, com desemprego e pobreza estruturais.

O Parlamento português pronunciou-se na passada semana sobre estes empréstimos. PCP e Verdes votaram contra, unindo-se desta forma aos trabalhadores em luta por essa Europa fora. CDS, PSD, PS e BE uniram-se no voto favorável.

 

 



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