O espelho da Nação
Esqueçamos o percurso extravagante da nebulosa licenciatura em engenharia de José Sócrates na não menos nebulosa Universidade Independente (por onde andarão os arquivos de tão prestigiada instituição de ensino que tantos e tão bons diplomados produziu?).
Esqueçamos as advertências que a Câmara Municipal da Guarda fez à sua negligência profissional, no acompanhamento das obras cujos projectos assinou e de que assumiu orgulhosamente a paternidade.
Esqueçamos as várias trapalhadas em que entra e sai com o à vontade folião de quem está convencido que nada o abalará por ter nascido com o cu virado para a lua.
São tudo coisas menores que em nada beliscam ou reduzem a capacidade de José Sócrates nos fintas do desenrascanço xico-esperto em que se tornou perito, o que lhe vai garantindo a aprovação da maioria dos portugueses sempre prontos a admirar essas qualidades, vergados à inveja e vergonha de não terem conseguido feitos iguais, o que os faz procurar respaldo para essas suas incapacidades tentando a sorte no euromilhões.
É este o estado a que chegou a nossa pátria, passados os anos de esperança revolucionária, progressivamente enterrados no pântano de dezenas de anos da cara ou coroa de governança igual nos objectivos e que só se foi diferenciando nos processos para os atingir. A inteligência e os sentidos são embolados nas telenovelas, nos concursos, nos noticiários, tudo ladainhas estudadas para uniformizar o pensamento, infantilizar opiniões, perverter o debate público e a democracia. A malta em vez de ser avisada e, legitimamente, revoltar-se, anestesia-se a ver os múltiplos prós e contras que a intoxicam em directo e ao vivo.
Tudo está à venda. Tudo se vende nesta sociedade sem valores nem dignidade. Aparentemente chegámos ao topo, atingimos o ómega. Que melhor ilustração de que se chegou a esse ponto do que olharmos para os projectos da autoria do nosso primeiro-ministro? Quase ninguém se indigna ou sequer se sobressalta mirando a qualidade miserável daquelas coisas que enxovalham a paisagem. É o espelho da nação: o embrulho do homem ostenta marca e luxo que se pavoneia frente às câmaras de televisão e às objectivas fotográficas, abre-se o embrulho e tudo lá dentro é fancaria. Paleio é a pataco, obra é o que se vê. Mas, por uma vez, devíamos estar gratos a José Sócrates por se orgulhar do seu percurso académico, por assumir a paternidade daqueles projectos. Ficamos a saber, sem margem para qualquer dúvida, que temos o que a maioria merece: um primeiro-ministro pimba. Ficamos a esperar que faça jus a esse pico de glória e que , aproveitando as Comemorações do Centenário da República e alinhando com os que querem «aportuguesar» o busto da República, tenha o rasgo genial de propor a modernização do hino nacional. Isso de heróis do mar, nação valente e marchar contra os canhões são coisas do passado. Escreva-se uma versão mais consentânea com a modernidade, com a dimensão intelectual socrática, encomendando a alguém do seu gabarito um novo hino que seja implicitamente um louvor ao bom gosto das casinhas que projectou. Ao nível de José Sócrates o eleito só pode ser Tony Carreira, o maior artista português, como repetidamente é classificado nos meios de comunicação social. Portugal ficará eternamente grato com essa dádiva musical! Tenha coragem senhor primeiro-ministro! Tenha uma iniciativa de ruptura à sua imagem e semelhança! Solte o animal feroz que vive na lixeira da sua cabeça. Acabe a obra que começou e que está aí para todos vermos e pasmarmos! Talhe esse marco para assinalar para que tudo fique finalmente certo, tudo em volta quase deserto com a lobotomização que se tem feito ao País.
Não tudo! Não a todos! Sob essa capa malsã que vai cobrindo todo o território, a toupeira da razão persiste em esburacar a unanimidade conformista, maquilhada por manobras de diversão a bancar a polémicas estéreis que apontam sempre na mesma direcção mesmo quando mudam de sentido. O fogo, por mais que tentem, não se deixa apagar e surge, por vezes, das formas mais inesperadas, exibindo a sua força vulcânica, eterna.