Laranja podre

Luís Carapinha

Contudo, o povo ucraniano manteve-se maioritariamente contra a adesão à NATO

«O país foi saqueado, os cofres estão vazios, a dívida pública triplicou e não há orçamento». Nos tempos que correm a situação poderia aplicar-se a um número crescente de países, mas estas são palavras do novo primeiro-ministro da Ucrânia, Nikolai Azarov, proferidas após a sua nomeação pelo parlamento, a 11 de Março. A decisão da Rada, em Kiev, surge após a votação da moção de censura que derrubou o governo de Iúlia Timochenko, no rescaldo da derrota sofrida por esta na segunda volta das eleições presidenciais ucranianas de 7 de Fevereiro. Mais do que a eleição de Ianukóvitch para a presidência, é o fracasso da musa Timochenko, precedido, na primeira volta, pelo desaire do ex-presidente Iúchenko – que contabilizou menos de seis por cento dos votos – que carimbam o fim azedo da «revolução laranja». E este não deixa de ser o dado sonante de umas eleições em que uma eventual mudança política substancial dever ser vista com a máxima prudência e reserva. Como diz a anedota, «a boa notícia é que Timochenko perdeu. A má é que ganhou Ianukóvitch». «É certo que a onda artificial laranja cedo descolorou, sob o peso do interminável despique entre os diferentes grupos e facções da grande burguesia ucraniana. O logro da operação política montada na praça central de Kiev no final de 2004, com coreografia, financiamento e co-produção EUA/UE, era uma evidência que se arrastava. Faltava o afastamento dos cabecilhas da farsa. «A queda da laranja podre [acima de tudo na cabeça do povo ucraniano] confirma, apesar de todos os efeitos de distorção, a acção das forças «gravíticas sociais». O domínio quase absoluto da oligarquia, num país revertido para uma posição periférica no seio do sistema capitalista, elevou a níveis absurdos as rivalidades no saco de gatos da burguesia ucraniana. A acção do imperialismo e a obnubilação da essência das contradições socioeconómicas requerida pela traumática restauração capitalista aprofundaram a divisão Leste/Oeste e o agravamento da confrontação nos planos linguístico, cultural e geopolítico. A consolidação da nova classe política dirigente, após duas décadas de esbulho económico, está longe de concluída. Essa será a «missão» que passou para as mãos do «clã azul» do Partido das Regiões do novo presidente. A apatia, a desorganização social e a tendência de lumpenização e de desclassização do proletariado e até de estratos médios assalariados é uma realidade não ultrapassada. Contudo, o povo ucraniano manteve-se maioritariamente contra a adesão à NATO, vigorosamente promovida pelos EUA e as forças perdedoras na etapa actual. Um factor de peso que dificulta a manobra imperialista para suprimir o estatuto oficial de neutralidade da Ucrânia. «C onvirá, porém, ter presente a experiência passada de Ianukóvitch na chefia do governo, período em que não deixaram de ser concretizados vários acordos de aproximação à NATO… Se o diagnóstico traçado por Azarov não peca por falsidade num país que viu o PIB afundar-se 15% em 2009, o que este não disse aos seus concidadãos é que também carrega responsabilidades de monta na situação criada, como figura proeminente do establishment ucraniano durante mais de uma década e em diversos arranjos governativos de distinta coloração mas idêntica orientação fundamental, antes e depois da «ascensão laranja» na antiga república soviética. Tal como não disse que tão aflitiva declaração procura apenas criar a atmosfera propícia à legitimação de medidas draconianas de «ajuste» que a oligarquia consensualmente já anunciou como «inevitáveis». Com a democracia política a transformar-se cada vez mais numa miragem, o povo ucraniano terá que mobilizar-se para enfrentar os efeitos agravados da crise e exploração capitalistas. A que se somam as ameaças de forças nacionalistas de cariz neofascista, cuja reabilitação Iúchenko e o poder laranja tanto acarinharam, e que o recentemente empossado presidente parece não ter pressa em combater, conforme prometido em campanha eleitoral.


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