O «espírito inovador» do Vaticano

Jorge Messias
O Papa bem sabe que no mundo dos negócios, «parar é morrer». É por isso que merece destaque uma pequena notícia publicada pelos jornais mundiais e pela Internet. O Vaticano aceitou uma proposta dos jesuítas ingleses que veio justamente ao encontro da sua conhecida paixão pelos meios audiovisuais. Trata-se, em resumo, de lançar nos canais da comunicação social um site intitulado «Passo a rezar». O conteúdo consiste em matéria produzida regularmente pela Rádio Vaticano e traduzida para a língua falada em cada país do mundo. Na perspectiva da Igreja, a inovação terminará com o alheamento crescente das multidões face ao culto católico. De agora em diante, todos poderão rezar permanentemente, nos transportes públicos, durante a condução, no local de trabalho, nos tempos livres ou nas tarefas domésticas. Bento XVI antevê, assim, uma próxima reconversão dos povos. Para além dos 10 minutos da oração-padrão, igual para todos os homens, o site contará, ainda, com a leitura de um texto da Bíblia e uma meditação, acompanhas com música de fundo – sacra, clássica ou ligeira- conforme as situações. De acordo com a Companhia de Jesus, esta ideia genial assenta no conceito de mobilidade adoptado pela sociedade neoliberal. Esta iniciativa já está instalada em Portugal e tudo se prepara para que seja activada por ocasião da visita de Ratzinger, no próximo mês de Maio. O pivot desta organização será a Rádio Renascença apoiada no Apostolado da Oração e na Companhia de Jesus. As gravações em português serão semanais e as vozes das orações e liturgias estão garantidas por voluntários seleccionados, «advogados, gestores e empresários» reunidos pela Igreja. A escolha das vozes foi rigorosa: de 50 voluntários apenas foi aceite a participação de 20. «As pessoas já não rezam só na igreja» - comentou o padre jesuíta Francisco Martins -, «queremos responder à necessidade de rezar onde o ritmo da vida o impõe... A ida para o trabalho já é propícia a uma certa reflexão e introspecção. O que queremos é que essa meditação passe a ser feita através de Deus... é a Igreja dos tempos modernos.» A maquilhagem dos conteúdos É evidente que «inovações» deste tipo correspondem à tentativa de prolongar, actualizando, os velhos métodos e estratégias do Vaticano. Não surgem apenas neste caso do «pacote de orações». Tentam formar sistema. Ainda há poucos dias, na tragédia da Madeira – um caso dentro de portas – pudemos verificar como desprezando o essencial uma comunicação social beata, cúmplice da Igreja, sobrepunha a tudo o mais a acção da Cárita, a tese do «milagre», as intervenções dos padres, a capacidade de resistência das santinhas, dos terços e dos bentos crucifixos, etc. A religião continua, pois, a ser o ópio do povo. Porque o obscurantismo da Igreja vem de longe e é proverbial que ele se fortalece com os grandes dramas humanos. Porém, os objectivos finais propostos pelo Papa e pelos Jesuítas são ainda mais ambiciosos, embora não se confessem. Os mapas, as estatísticas e as declarações políticas demonstram que em todo o mundo capitalista a crise financeira não foi dominada e que, pelo contrário, as suas componentes crescem a um ritmo assustador. O desemprego lança os trabalhadores na miséria, em Portugal e no mundo. Mas os grandes especuladores são fabulosamente ricos. Nas nações, também esta contradição é notória. As mais desenvolvidas dominam as tecnologias de ponta cujo acesso recusam às mais pobres. Aí, é a fome, a sede e as doenças que dizimam os povos. Mas também nas nações mais pobres há pequenas elites altamente pagas pelas nações mais ricas. No futuro imediato, estes quadros prenunciam o activar das lutas de classes. A situação menos desejada pelos nababos no poder. Se o povo vier a assumir a noção da força que possui será como as ribeiras da Madeira. É isso que deve ser evitado a todo o custo ou, pelo menos, adiado. E que melhor aliado pode o grande capital encontrar para tolher a vontade popular senão promover as religiões (a católica e as outras), os valores «cristãos» sabiamente controlados ou a ética da renúncia, da obediência às autoridades, do perdão, da solidariedade entre ricos e pobres e dos dogmas onde o pobre se instala como pobre assumido, sem de lá poder voltar a sair? São estes os verdadeiros objectivos que a visita de Ratzinger e o «pacote de orações» se propõem atingir.


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