35 anos da reforma agrária

«A menina dos olhos da revolução»

Hugo Janeiro
O PCP assinalou, em Montemor-o-Novo, o 35.º aniversário do início da Reforma Agrária nos campos do Alentejo e Ribatejo. As iniciativas contaram com a presença de Jerónimo de Sousa.

«O fim do latifúndio e uma nova reforma agrária continuam actuais»

Ao final da tarde de quarta-feira, dia 17, a jornada começou no Arquivo Municipal de Montemor-o-Novo, demasiado pequeno para acolher todos os que se quiseram associar à comemoração da mais bela conquista de Abril. Com muitos camaradas e amigos no adro, lá dentro coube à responsável das instalações fazer as honras da casa e dar a conhecer ao Secretário-geral do Partido a relação daquela infra-estrutura local com «a menina dos olhos da revolução».
Acompanhada pelo presidente da Câmara Municipal, Carlos Pinto de Sá, e por dirigentes locais e nacionais do PCP, entre os quais Luísa Araújo, do Secretariado, José Catalino e João Dias Coelho, da Comissão Política, e João Pauzinho, da OR de Évora do PCP, a responsável explicou que ali se encontra o mais completo arquivo do processo que transformou radicalmente as relações sociais nos campos do Sul de Portugal.
No total, são os documentos de 62 Unidades Colectivas de Produção (UCP’s) e cooperativas, de quase todos os distritos da área de intervenção, a maioria dos quais estão já disponíveis para consulta depois de um cuidado trabalho de selecção, organização e armazenamento. Os documentos das conferências da Reforma Agrária, as fotos que ilustram o avanço revolucionário, a produção e outras realizações de forte impacto social, económico, político e cultural também podem ser consultados.
Na sala onde está depositado o acervo – cuja recolha muito fica a dever a um dos mais destacados impulsionadores e defensores da reforma agrária, o ex-dirigente comunista António Gervásio – brilharam os olhos dos presentes ao depararem com os maços de inventários, actas e papeis congéneres que contam a história da tomada da terra por quem a trabalhava, mas que relatam igualmente cada um dos momentos da destruição daquela conquista de Abril, seguramente e sem exagero, a mais detestada pela burguesia, que tudo fez para a travar e deturpar durante o processo revolucionário, e assim prosseguiu, destilando ódio de classe, durante a contra-revolução até a erradicar do mapa.
Fica, apesar de todas as forças movidas pelos exploradores e seus homens-de-mão nos governos de alternância sem alternativa, a verdade sobre o que foi a Reforma Agrária, e a certeza de que ela permanece como uma necessidade objectiva para os trabalhadores e o povo de um País dependente com uma economia periférica e manietada pelos interesses do grande capital nacional e estrangeiro.

Exemplo para o futuro

Após a visita ao Arquivo Municipal, a comitiva rumou à Junta de Freguesia de Nossa Senhora da Vila, onde decorreu a sessão pública promovida pelo PCP e na qual tomaram a palavra António Gervásio, João Pauzinho e Jerónimo de Sousa (cuja intervenção publicámos na integra na edição a semana passada).
De pé, no corredor de acesso ao generoso salão que só lugares sentados tem cerca de 350, muitos mais se juntaram formando uma pequena multidão. Na plateia, sobressaiam rostos de homens e mulheres cujas feições sulcadas pelo Sol não deixavam lugar a dúvidas: foram construtores da Reforma Agrária; tomaram partido na exaltante construção de uma nova forma de organização do trabalho e da vida que substituiu a miséria, o desemprego crónico e a sobre-exploração da força de trabalho, a desnutrição, o absentismo agrário, o analfabetismo, a falta de protecção social, a carência de infraesturas básicas, pelo trabalho com direitos e com uma retribuição justa, o saneamento básico e a electrificação das vilas e povoados, a escolaridade os cuidados de saúde e a previdência, a construção de estradas e outras infraestruturas, a multiplicação da área cultivada, a mecanização e a diversificação das culturas, o «fim da exploração do homem pelo homem nas UCP’s», como sublinhou António Gervásio na sua intervenção. «Em muitos concelhos foi erradicado o latifúndio. Nunca na história os trabalhadores agrícolas atingiram tão boas condições de vida e de trabalho», acrescentou.
A Reforma Agrária, não foi, porém, resultado de «um acontecimento espontâneo que caiu do céu aos trambolhões», disse ainda o militante comunista. A sua força impulsionadora foi o proletariado agrícola alentejano e ribatejano, forjado na luta pelo trabalho, pelo pão, pela liberdade contra a ditadura fascista, orientado pelo Partido que desde sempre fez sua a bandeira da entrega da terra a quem a trabalha, e prontamente organizado, depois de Abril, nos sindicatos de trabalhadores rurais.
O processo, criativo, democrático, amplo e unitário, respondeu ainda a uma outra necessidade objectiva – responder à investida dos agrários contra a revolução. «Antes da tomada dos latifúndios, a sabotagem económica dos agrários contra a revolução foi muito discutida em centenas de reuniões, plenários e sessões. Essa discussão conduziu à convocação pelo PCP da 1.ª Conferência da Reforma Agrária dos trabalhadores agrícolas do Sul, na qual participaram mais de três mil trabalhadores e técnicos agrícolas. É feita uma ampla e dinâmica discussão. A Conferência termina num comício com mais de 30 mil pessoas onde são lidas as conclusões». Depois desta primeira acção, «o avanço para a reforma agrária foi rápido e de massas», continuou.

Projecto da ruptura e da mudança

António Gervásio lembrou muito sucintamente os êxitos alcançados e a solidariedade para com a reforma agrária, «a qual ultrapassou as nossas fronteiras» e assustou a reacção nacional e estrangeira que prontamente se pôs em campo para a liquidar.
«A exigência do fim do latifúndio, a realização de uma nova reforma agrária, a terra a quem a trabalha, continuam a fazer todo o sentido, continuam actuais», disse ainda, para concluir «que no dia em que for instaurado um governo de esquerda em Portugal, a reforma agrária triunfará».
A jornada de luta por uma nova reforma agrária - adaptada à realidade concreta mas capaz de responder ao controlo da terra por parte da especulação e aos mais graves flagelos sociais que afectam a região, como sublinhou João Pauzinho na sua intervenção –, terminou com uma merenda alentejana, momento de fraterna confraternização e afirmação de um projecto associado à ruptura e à mudança de que Portugal precisa.


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