O compasso de espera

Jorge Messias
Como é habitual quando as coisas aquecem a Igreja recolhe-se em oração cumprindo o sábio princípio «o silêncio é de oiro». Perante um panorama social de catástrofe, com a espiral do desemprego e da fome a crescer irresistivelmente, nem mesmo assim sobe dos púlpitos o simples balbuciar de um apagado protesto em defesa dos direitos do povo e dos trabalhadores. No plano ético, cuja condução a Igreja tanto reclama, a mudez dos sacerdotes é também confrangedora. Entretanto, no dia a dia desta sociedade capitalista os escândalos sucedem-se a uma cadência alucinante. A Igreja «pára, escuta e olha», como nas passagens de nível... O voto de mudez do clero mantém-se rigidamente, mesmo quando as famílias recebem o «golpe de misericórdia» do imparável desemprego e, no lado oposto, os bancos têm lucros de 40 milhões por dia!...
Em números redondos e segundo estatísticas oficiais do Patriarcado, há em Portugal um corpo sacerdotal de cerca de 4000 padres, entre clero regular e clero religioso. Pois todos eles se calam perante um estado de coisas que a qualquer cidadão repugna. Esta mudez é gritante. Prova que na Igreja, em vez da «liberdade de expressão» que o Patriarcado apregoa, prevalece a disciplina e a mão de ferro do alto clero.
É claro que esta estratégia do silêncio tem de ter uma explicação. E a explicação mais simples e mais directa é esta: A presente situação política do país é tensa e instável. Ninguém sabe dizer o que virá a seguir. Portanto, o mais prudente é calar e recorrer a um compasso de espera. Porém, a mudez dos bispos não significa inércia. Pelo contrário, nos bastidores a sua actividade é intensa. Porque a Igreja tem de fazer, agora, uma escolha certeira do poder político a que se vai aliar. Logo, prefere não se arriscar.

Relações amor/ódio

Naturalmente que há, por outro lado, importantes interesses económicos que a Igreja tem que resguardar. Por exemplo, as contra-partidas pagas pelo Estado às instituições católicas somam, anualmente, para cima de 90 milhões de euros em subsídios. Instituições essas que já recebem dotações anuais do Orçamento do Estado, de mais de 1000 milhões de euros ...
É evidente que os interesses económicos são importante mas os imperativos do prestígio e do poder da Igreja vêm em primeiro lugar. Assim, o desfiar do rosário do processo «Face oculta» acaba por chamar as atenções para o modo como, perante certas situações, o comportamento do clero católico pode ser, simultaneamente, flexível e inflexível, em questões de prestígio e de afirmação de poder.
Lembremos que, nesta fase que se vive em Portugal, duas instituições há que caminham em sentidos opostos: sobe o prestígio da Maçonaria; desce o prestígio da Igreja. É uma tendência que a hierarquia da Igreja terá de travar. Usando da retórica e da criação de uma melhor imagem. É um dado que ressalta do que se vai sabendo sobre as investigações da chamada «Face oculta». Há forças diversas em presença mas duas delas são as principais: a Maçonaria e a Igreja. Ambas perseguem os mesmos fins, o que as torna naturalmente rivais.
Nos cenários do plano que está a ser investigado, de controlo da comunicação social, abundam nomes de personalidades católicas ligadas, sobretudo, ao Opus Dei.
Mas não menor será o contingente da Maçonaria. Por exemplo, no lóbi principal de toda a intriga – a Ongoing Strategy Investments, holding da família Rocha Santos – a
táctica e a estratégia são conduzidas pelo seu presidente, o banqueiro Nuno Vasconcellos que, simultaneamente, desempenha as funções de Mestre Venerável da Loja Mozart, considerada o núcleo mais rico da Maçonaria Regular Portuguesa, bem como aquele que forma e representa as elites mais sofisticadas da Grande Loja. Depois, citam-se os nomes de personalidades altamente colocadas na sociedade civil.
A Igreja católica que historicamente se tem mostrado inflexível para com a Maçonaria conhece esta relação de forças no processo em curso. Sabe que não há espaço para duas lideranças. Mas como são gigantescos os interesses em jogo, cala-se e consente. Tudo leva a crer que possamos assistir em breve à formação, na área da comunicação social, de uma espécie de «bloco central gnóstico» o que, a acontecer, fará soçobrar toda a «liberdade de expressão», chavão que agora se usa a torto e a direito.


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