Os bispos católicos e as políticas europeias

Jorge Messias
Actualmente, na Europa tudo se contradiz. Os sistemas entram em ruptura, gera-se a incerteza, a angústia e o medo. Por entre o dédalo das corrupções, os governantes desprestigiam-se e mentem para salvar a face. Fragilizada a imagem do Estado laico, a acção política tornou-se estéril, desencarnada, ritual, tal como acontece com as teologias. Abandonadas, as multidões de pobres e de famintos ficam à mercê de uma sopa e de uma vaga esperança. Tudo tende a recordar os tempos medievos do «pendão e caldeiro».
Neste quadro caótico gera-se uma situação ideal para a diplomacia da Igreja.
Onde falha o Estado laico a Igreja ocupa imediatamente o espaço vazio. O Vaticano possui uma longa experiência secular no campo diplomático e conduz, na sombra, os políticos e as nações. Acumulou riquezas opulentas resguardadas por redes financeiras multinacionais e por gigantescos grupos de sociedades anónimas. Estabeleceu no interior das instituições de mais alto nível comunitário (como é o caso da União Europeia) estruturas católicas altamente especializadas e permanentes. Veja-se o caso da COMECE – Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia, com um pé no Vaticano e o outro pé em Bruxelas. Onde as nações se dividem e falham, a Igreja subscreve projectos próprios de intervenção e de reforma das estruturas europeias, definindo novos objectivos que depois são simplesmente adoptados pelos responsáveis comunitários.
Assim se estabelece e avança uma bem pensada estratégia que culminará, pensam o Papa e os bispos, na imperceptível hegemonia católica dos centros de decisão da ci­dade ter­restre. Sempre agindo nos bastidores da UE e invocando os valores da fé cristã como fim a alcançar, a partilha das soberanias como método a adoptar e a política da reconciliação e da paz, da liberdade e da solidariedade como normas comportamentais da Comunidade.

O fu­turo da UE e a res­pon­sa­bi­li­dade dos ca­tó­licos

Para que melhor se compreenda a importância que a Santa Sé reconhece à sua presença permanente junto das Comunidades europeias basta recordar que para além da COMECE e das suas comissões sectoriais altamente especializadas, o Vaticano instalou em Bruxelas, a partir de 1990, uma Nunciatura Apostólica junto das Instituição Europeias, dirigida por «um representante diplomático ao mais alto nível», como pode ler-se num documento básico editado pela Comissão dos Episcopados e intitulado «O futuro da União Europeia e a Responsabilidade dos Católicos». Foi redigido por «um grupo de teólogos e filósofos originários de vários países europeus» e contém os princípios básicos de uma urgente reforma dos estatutos da UE. Foi divulgado em 2004, no decurso de um congresso teológico efectuado em Santiago de Compostela. Referem os autores desse documento, a propósito do seu próprio trabalho: «Trata-se de um texto com ambições pedagógicas, que exige um trabalho de grupo ou equipa, no seio de uma paróquia, de um movimento ou de uma universidade». Declaração que se choca com o que se diz no interior do documento, a saber com a seguinte citação: «Os católicos na Europa partilham uma convicção comum: a distinção entre religião e política»... Dois pesos e duas medidas disponíveis em todas as situações. Como se pode ver, o Papa está sempre presente nas decisões de Bruxelas.
Presença que é igualmente nítida entre as individualidades que dirigem os centros de decisão comunitários, quase todos eles católicos praticantes. Este importante aspecto não é novo. Vem dos tempos de Robert Schuman, o «pai da UE» e «bom católico». Reflecte-se nos comportamentos políticos dos homens e das mulheres que conduzem os centros de decisão comunitários onde se encontram muitos portugueses.
O Papa vem a Portugal em Maio, como foi oficialmente anunciado. Mas antes, nos dias 23 a 25 de Fevereiro, irá a Bruxelas (como praticamente não foi noticiado) uma extensa delegação de bispos e de especialistas em áreas sociais (30 pessoas) dirigida por D. Jorge Ortiga, presidente da Conferência Episcopal.
Os valores do Estado laico português afundam-se no mais repugnante lodaçal. A Constituição é rasgada em mil pedaços. As áreas sociais são negociáveis e ficam ao alcance de quem mais oferecer. Que irão fazer a Bruxelas os bispos portugueses?
Irão, talvez, às compras ...


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