A estranha morte de David Kelly

Num momento em que 52 por cento dos britânicos consideram que Tony Blair mentiu ao evocar em 2003 a presença de armas de destruição maciça no Iraque para justificar a invasão, o caso de David Kelly voltou à ribalta puxado por seis médicos que requereram a reabertura do inquérito sobre a sua estranha morte.
David Kelly era funcionário do Ministério da Defesa britânico e um especialista em guerra biológica. Como inspector da ONU esteve no Iraque 37 vezes e foi ele que denunciou a um jornalista da BBC a falsificação do relatório sobre armas no Iraque pelo governo de Tony Blair.
Na altura, o executivo britânico alegou que o Iraque seria capaz de desencadear um ataque químico em 45 minutos. Com base nas informações de Kelly, a estação pública transmitiu um programa em que não só refutava a possibilidade de tal ataque como revelava que se tratava de uma falsificação do relatório, feita pela mão de Alastair Campbell, o então director de Comunicação e Estratégia do primeiro-ministro Tony Blair.
A reportagem provocou uma tempestade nos meios políticos. O governo admoestou a BBC para revelar a fonte da notícia. Não tardou até que Kelly fosse interrogado e exposto.
Em conversa com David Broucher, um embaixador britânico, este pergunta-lhe: «O que acontecerá se Iraque vier a ser invadido?». Kelly responde-lhe: «Provavelmente serei encontrado morto numa floresta».
No dia 17 de Julho de 2003, David Kelly é encontrado morto num bosque perto de sua casa, com um corte no pulso esquerdo. O governo anuncia imediatamente que a averiguação do caso seria entregue ao juiz Lorde Hutton. Alguns meses mais tarde, Hutton limitou-se a confirmar a notícia que desde o início correu na imprensa: Kelly tinha cometido suicídio.
Passados seis anos, em 5 de Dezembro último, um grupo de seis médicos depôs uma acção legal solicitando a reavaliação dos factos, designadamente o acesso ao relatório da autópsia. Como fundamentação, alegam que «com alta probabilidade» o corte no pulso esquerdo não poderia ter causado a morte de Kelly. Citando numerosos estudos científicos, afirmam que não é normal um paciente falecer de um único corte profundo no pulso. E lembraram que o falecimento de Kelly nunca foi objecto de uma autêntica investigação judicial, a qual foi deixada ao exclusivo cuidado de Lorde Hutton.
A iniciativa dos médicos causou embaraço ao governo de Gordon Brown, que desde há semanas tenta apaziguar a opinião pública com as meias revelações da comissão Chilcot sobre o envolvimento britânico na invasão do Iraque.
No passado dia 24, o jornal The Mail on Sunday noticiou que o pedido dos médicos tinha sido recusado devido a uma invulgar ordem emitida pelo juiz Hutton logo em 2003, que proíbe a divulgação das fotografias e autópsia de Kelly por um prazo de 70 anos e dos testemunhos recolhidos por um período de 30 anos. Tudo isto na mais velha democracia da Europa…


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