Jerónimo de Sousa interpela Sócrates no debate quinzenal e exige

CIMPOR deve estar ao serviço do País

O primeiro-ministro não garantiu que na Cimpor, alvo há dias de uma Oferta Pública de Aquisição (OPA) avançada -por uma empresa brasileira, possa vir a prevalecer o interesse nacional (entenda-se a salvaguarda dos postos de trabalho e a manutenção do centro de decisão em Portugal) sobre os interesses dos accionistas.

Governo não deu garantias de defesa do interesse nacional quanto à CIMPOR

Foi este o verdadeiro sentido das palavras de José Sócrates, embora não o tenha dito de modo claro, ao misturar de forma deliberada e ambígua, como se fossem necessariamente coincidentes, o «interesse nacional» e os «interesses da empresa».
Esta foi uma das questões principais a dominar na passada semana o debate quinzenal com o primeiro-ministro, face à importância do sector dos cimentos para o desenvolvimento da economia nacional. Depois de uma primeira abordagem suscitada pelo BE, Jerónimo de Sousa pegou no tema com profundidade e quis saber pela boca de José Sócrates se a CIMPOR, enquanto empresa estratégica, vai manter-se «sob controlo nacional» ou, pelo contrário, se o Governo «vai permitir que o centro de decisão emigre e os lucros também».
«A questão de fundo é saber se a Caixa Geral de Depósitos – detentora de 25 por cento da CIMPOR – deve ser ou não o veículo para que se mantenha esta empresa estratégica sob controlo nacional», sublinhou o Secretário-geral do PCP.
«Esta é a questão a que tem de responder, ou ainda está a reflectir?», inquiriu de rajada o dirigente comunista, que assinalou em seguida que a «recuperação económica faz-se com a defesa do aparelho produtivo e da produção nacional e não com a entrega às multinacionais daquilo que temos de melhor».
Jerónimo de Sousa recordara momentos antes que a empresa interessada na CIMPOR – a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), dominada por capitais brasileiros – é a mesma multinacional que, enquanto proprietária da Lusocider, deteve o sector de produção que fez parte da nossa ex-Siderurgia Nacional. Ora a sua folha de serviço não é propriamente de molde a deixar ninguém tranquilo, uma vez que, lembrou, foi responsável pela liquidação da produção de aços planos, tendo igualmente procedido à transformação da unidade em grande armazém e entreposto comercial para a Europa dos produtos siderúrgicos produzidos por outras empresas da multinacional brasileira.

Desmantelar e despedir

Mas não se fica por aqui o seu pouco recomendável currículo. Jerónimo de Sousa lembrou que em 2007 a empresa procedeu ao desmantelamento da linha de produção de folha-de-flandres e em Abril de 2008 fechou a linha de laminado a frio, ficando a produção limitada à chapa galvanizada. «Tudo isto acompanhado pelo despedimento de mais de uma centena de trabalhadores», frisou o dirigente comunista, concluindo, perante este cenário, não ser esta, pois, «flor que se cheire».
José Sócrates, na resposta, naquele seu estilo muito peculiar de divagar pelo acessório para contornar o essencial, entrou em pormenores sobre como conheceu responsáveis da CSN no Brasil e os motivou para investir em Portugal e como esses investimentos eram classificados de «grande importância para a nossa estrutura industrial» pelo Governo português.
E deu conta da enorme importância de haver entre Portugal e o Brasil investimentos recíprocos, em particular das melhores empresas. Asseverou ainda ver com bons olhos o investimento, em «particular o industrial, das grandes empresas brasileiras no nosso País».
Depois de largo intróito, cingindo-se finalmente à questão colocada quanto à CIMPOR, referiu que a posição da Caixa Geral de Depósitos terá em conta no essencial os «interesses da empresa». «Claro está que os restantes accionistas são livres de decidir, porque isso é o jogo do mercado, que o senhor deputado não aceita mas que eu aceito», avisou, acrescentando que «uma empresa de referência como é a CIMPOR estará no topo das preocupações». Explicou por fim que o resultado final da actuação da Caixa «será no sentido de defender o melhor para a empresa, para a sua estabilidade accionista».
Ambíguo, não por acaso, e fugindo à questão central, José Sócrates quis assim sugerir que os «interesses da empresa» se confundem com o próprio «interesse nacional». Esta foi de resto uma expressão que nunca utilizou («interesse nacional»), limitando-se a falar em «contributo [da CIMPOR] para a economia nacional».
Ora, como é sabido, as mais das vezes esses interesses são tudo menos coincidentes, como provam as bem conhecidas deslocalizações de multinacionais, que não hesitam em fechar portas e debandar para outras paragens, sempre que isso lhes é vantajoso, pouco importando o rasto de miséria e sofrimento que deixam atrás de si.
Jerónimo de Sousa não deixou passar o facto e, dirigindo-se a José Sócrates, deixou o registo: «não deu nenhuma garantia em relação à defesa do interesse nacional quanto à CIMPOR».

Contrato de trabalho intermitente
Mais precariedade, menos futuro

Introduzida no debate por Jerónimo de Sousa foi também a questão do chamado contrato de trabalho intermitente, recentemente anunciado pelo Governo em sede de concertação social. Este é mais um exemplo da mudança para pior que tem caracterizado nas últimas décadas as posições do PS, segundo o dirigente comunista, que lembrou a propósito o Código do Trabalho.
«É inaceitável que este PS, que ajudou e teve importante papel na elaboração da Constituição laboral, na defesa do direito ao emprego, na defesa dos direitos dos trabalhadores, tenha aprovado o Código do Trabalho, esse documento que é uma mancha e uma nódoa do PS».
«É pior que um contrato a prazo», garantiu Jerónimo de Sousa, aludindo ao contrato de trabalho temporário, mecanismo destinado a intensificar a exploração e que irá agravar ainda mais a precariedade no trabalho e a prática de salários de miséria em sectores como o têxtil e vestuário, o fabrico de mobiliário e o turismo.
O dirigente do PCP advertiu que, nestas circunstâncias, depois de trabalhar algum tempo, o trabalhador vai para o desemprego, «recebe menos que o subsídio de desemprego», tendo de ficar «disponível para ser requisitado novamente».
Não escondendo a sua indignação perante este quadro, admitiu que haja quem diga: «é bom para as empresas, o Estado não paga na totalidade o subsídio de desemprego, e não é mau para o trabalhador porque, enfim, mais vale pouco do que nada». E logo concluiu: «Esta é a visão deste PS, que se colocou do lado da direita, particularmente nesta zona de fronteira que são os direitos dos trabalhadores».
«O PS mudou e mudou para pior como demonstra esta proposta de contrato intermitente. Essa mudança não presta, senhor primeiro-ministro. Essa mudança fica mal ao PS ou então deixe de se afirmar de esquerda», considerou, em jeito de desafio, o Secretário-geral do PCP.
José Sócrates, na réplica, invocou a crise como pretexto para o argumento falacioso de que se o País tivesse «maior rigidez no mercado de trabalho» haveria hoje mais desemprego. Sobre o contrato de trabalho intermitente, reconhecendo que se trata de uma «medida de flexibilização», tentou contudo minimizar a sua gravidade dizendo «que não pode ser imposto, só podendo resultar da negociação colectiva».

Hospital do Seixal
Estranho silêncio

Interpelando o primeiro-ministro, Jerónimo de Sousa estranhou que aquele na sua primeira intervenção, na sequência das questões suscitadas pelo líder parlamentar do PS Francisco Assis - o primeiro a intervir no debate -, não tenha feito qualquer referência ao início da construção no próximo ano do Hospital do Seixal.
Não o fez «certamente por lapso ou esquecimento», observou o dirigente do PCP, que, pelo sim pelo não, entendeu por bem convidar José Sócrates a esclarecer o enigma.
O chefe do Governo dera grande ênfase aos investimentos públicos a realizar no próximo, pondo em relevo, designadamente, a construção de quatro novas unidades hospitalares na Área Metropolitana de Lisboa. Mas omitiu, sem que se saiba porquê, o Hospital do Seixal, uma promessa antiga que só há uns meses obteve finalmente luz verde do Executivo, depois de muita luta das autarquias do Seixal, câmara e juntas de freguesia, e do PCP que esteve sempre ao lado da população.
Não obstante o pedido de esclarecimento do Secretário-geral do PCP, o certo é que o chefe do Governo nada adiantou sobre o assunto. Na dúvida, para já, o melhor é admitir que não exista outro motivo para aquela omissão que não seja uma gafe no discurso do primeiro-ministro. É que depois de tanta promessa não cumprida, as populações não perdoariam mais uma mentira grosseira.

Do dizer ao fazer

Jerónimo de Sousa confrontou ainda o primeiro-ministro com o boletim de execução orçamental entre Janeiro e Novembro para o subsector Estado, no qual é possível constatar que a iniciativa para o investimento e para o emprego apresenta uma execução de 53 por cento.
«Quando o ouço nos debates quinzenais dou-lhe sempre um desconto: entre o que diz e o que faz, entre o que promete e aquilo que cumpre, entre a propaganda e a realidade», comentou o líder comunista, antes de dar outros exemplos como é o caso das medidas de apoio ao emprego, onde o Governo previa gastar 580 milhões de euros, mas cuja execução não ultrapassou os 28,5 por cento. Ou ainda o caso das PME, em termos de apoio à actividade económica e à exportação, em que se previa gastar este ano uma verba de 800 milhões, mas da qual apenas foram consumidos e executados 23,8 por cento.
«Anuncia muito investimento mas, depois, na prática, em termos de execução é aquilo que se vê», sublinhou o líder comunista, isto depois de José Sócrates ter logo no arranque do debate voltado a anunciar mais um conjunto largo de investimentos para o próximo ano.
Sobre a informação contida no «boletim», o primeiro-ministro respondeu que se refere «à execução financeira e não à execução física» e que por exemplo «nos programas relativos às redes de nova geração, o Governo só fará as adjudicações agora». E deu-se por satisfeito pelo facto de em 2009 ter havido um aumento «em 30 por cento do investimento público», que disse ter sido «um dos maiores dos últimos anos».




Mais artigos de: Assembleia da República

Só com uma nova política agrícola

A adopção de medidas de apoio aos produtores de leite, arroz, azeite, vinho, batatas e cereais, sujeitos a preços degradados na produção e enfrentando sérias dificuldades de escoamento, constitui uma das medidas prioritárias defendidas pelo PCP para fazer face ao estado de desastre em que se encontram os nossos campos.

Direita olha de soslaio

O projecto de resolução do PCP que recomendava ao Governo o aumento do salário mínimo nacional para 600 euros em 2013 foi inviabilizado no Parlamento com os votos contra do PSD e CDS/PP e a abstenção do PS. As restantes bancadas acolheram favoravelmente a iniciativa comunista em votação realizada no plenário antes das...

Veto presidencial

O Presidente da República vetou na passada semana o diploma da Assembleia da República, aprovado por todos os partidos da oposição, que revoga as normas que criaram e definiram o valor das taxas moderadoras para o acesso ao internamento e ao acto cirúrgico em ambulatório.Cavaco Silva, esclarecendo a sua decisão em nota...